Folha de S. Paulo


Série escancara linha tênue entre jornalismo e entretenimento

Assim que foi ao ar o último episódio da série documental "The Jinx: A Vida e as Mortes de Robert Durst", sobre o milionário excêntrico de Nova York suspeito de três assassinatos, o jornal "The New York Times" disparou um alerta nos telefones de seus leitores: "Urgente: Em documentário, Robert Durst diz que 'matou todos eles.'"

No mesmo dia, domingo (15), reclamações começaram a surgir no Twitter e no e-mail da ombudsman do jornal, Margaret Sullivan. "Ótimo, o 'NYT' acaba de entregar o final de 'Jinx' no formato de alerta de notícias para o meu celular. Isso não é legal, gente", dizia uma delas.

O caso evidencia a linha tênue entre entretenimento e jornalismo na qual se equilibra o documentário de Andrew Jarecki –exibido em seis episódios nos Estados Unidos pelo canal HBO e ainda sem data de estreia no Brasil.

Além de contar com o depoimento do recluso Durst, o documentário revelou, no seu quinto episódio, uma nova prova contra o milionário. Seis dias mais tarde, na véspera da exibição do último trecho de "The Jinx", Durst foi preso.

No episódio final, Jarecki o confronta com a nova descoberta e, na frente das câmeras, ele nega novamente o crime. No apagar das luzes, porém, vai ao banheiro com o microfone ligado. Lá, diz para si mesmo: "Que diabos eu fiz? Matei todos eles, claro".

Os números de audiência da série quase dobraram na data, de acordo com dados da Nielsen, empresa especializada em pesquisas de mercado. Foram 802 mil espectadores no dia em que o trecho foi ar, quase o dobro da semana anterior –446 mil.

Edmund D. Fountain - 17.mar.2015/The New York Times
O milionário Robert Durst ao deixar corte no Estado de Nova Orleans, em março
O milionário Robert Durst ao deixar corte no Estado de Nova Orleans, em março

INTERFERÊNCIAS

Mas a atenção recebida por "The Jinx" não foi inteiramente positiva. Espectadores e a mídia americana passaram a questionar se (e quando) Jarecki e sua equipe haviam compartilhado suas descobertas com as autoridades.

Segundo o diretor, a entrevista de Durst foi gravada em abril de 2012, mas o áudio do banheiro foi descoberto pela equipe apenas em junho do ano passado. Ao jornal "The New York Times", ele afirmou que as informações relevantes foram entregues aos investigadores "há alguns meses".

Há também suspeitas de que o documentário tenha mudado a cronologia dos acontecimentos mostrados.

Antes da entrevista de 2012, Jarecki aparece conversando com os advogados do milionário, que havia sido preso após invadir a propriedade de seu irmão. O problema é que a prisão só aconteceu em agosto de 2013.

Confrontado pelo jornal americano, Jarecki afirmou que teria de retornar a ligação com os detalhes do episódio. Em seguida, o diretor cancelou todas as entrevistas, sob argumento de que poderia ser convocado como testemunha em um novo julgamento de Durst.

TENSÃO

"Narrar histórias e ser preciso nas informações são duas coisas que não se combinam de forma natural. E há muita tensão entre elas", afirma Nicholas Lemann, professor da Universidade de Columbia, em Nova York.

Lemann cita questões éticas associadas à narração de histórias no jornalismo. "O que mais me preocupa é a mistura de elementos reais e ficcionais." No entanto, não compartilhar imediatamente as descobertas com as autoridades não é um problema, na opinião do professor. "A informação será publicada eventualmente, é só uma questão de tempo", diz.

Para o documentarista Joe Berlinger, não é bem assim. Ele e Bruce Sinofsky investigaram a condenação de três adolescentes no Estado norte-americano de Arkansas por assassinato, na década de 1990, na série "O Paraíso Perdido".

Durante o processo, eles receberam uma faca ensanguentada que tinha as características da usada no crime e optaram por compartilhar imediatamente a prova com as autoridades.

Berlinger diz, porém, que as coisas ficaram mais difíceis. "Há uma erosão na linha entre a ficção e a realidade, a investigação e o entretenimento. Eu recebo notas o tempo todo das emissoras em que trabalho pedindo para que eu torne o que eu faço mais interessante."

Joshua Bright/The New York Times
Andrew Jarecki, que dirige a série documental 'The Jinx'
Andrew Jarecki, que dirige a série documental 'The Jinx'

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