Folha de S. Paulo


'Ralé' repete parceria de Ney Matogrosso e Helena Ignez

O cantor Ney Matogrosso está agitado. Diz que tem problemas para decorar falas.

"Fico nervoso, acho que vou atrasar tudo. Aí amanhã, quando me dou conta, vejo que sei tudo de cor", diz ele à reportagem enquanto aguarda sua hora de entrar em cena num set montado na Serrinha, fazenda com clima riponga em Bragança Paulista (a 85 quilômetros da capital).

Protagonista do longa "Ralé", o músico repete a parceria que iniciou em 2010 com a diretora Helena Ignez no filme "Luz nas Trevas", no qual viveu o Bandido da Luz Vermelha.

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Roberto Alencar e Ney Matogrosso interpretam um casal em 'Ralé'
Roberto Alencar e Ney Matogrosso interpretam um casal em 'Ralé'

No novo filme, que toma emprestado o título de peça do russo Máximo Gorki (1868-1936), Ney interpreta Barão, sujeito de origem aristocrática, ex-viciado em heroína, que funda uma seita que faz rituais com ayahuasca, o chá alucinógeno do Santo Daime.

Simone Spoladore faz uma atriz escalada para um filme dirigido por crianças e Zé Celso, do Teatro Oficina, interpreta um amigo do protagonista com "ares de Liberace", segundo a diretora. O elenco traz também Djin Sganzerla, filha da cineasta, e o dramaturgo Mário Bortolotto.

"A história toda é muito louca e eu adoro a loucura da Helena. Ela é muito livre", comenta Ney. "Ela tenta aproximar o personagem das minhas características, mas ele faz coisas que eu jamais, jamais faria", frisa. O quê, por exemplo? "Casar", responde.

No longa, o personagem se une a um bailarino (Roberto Alencar) numa cerimônia conduzida por um transexual (André Guerreiro Lopes).

De roupa branca e botas de couro, Helena Ignez instrui Ney a falar olhando para a câmera. "Não é um filme realista no sentido dramático", diz.

"Não podia ser diferente", conta à Folha. "Os pilares da minha formação no cinema, Glauber Rocha e Rogério Sganzerla, têm uma narração toda fragmentada, não realista."

Ela se refere aos dois cineastas com quem foi casada: a união com o último, morto em 2004, durou mais de 30 anos e resultou em longas como "O Bandido da Luz Vermelha" (1968) e "Copacabana Mon Amour" (1970), dirigidos por Rogério Sganzerla e nos quais Helena atuou.

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Simone Spoladore interpreta uma atriz num filme dentro do filme 'Ralé
Simone Spoladore interpreta uma atriz num filme dentro do filme 'Ralé'

'CHANCHADA CÓSMICA'

As paredes da produtora de Helena, no centro de São Paulo, estão recheadas de fotos do casal dos anos 1960 e 70, ladeadas por um enorme pôster do guitarrista Jimi Hendrix.

"Eu e Rogério temos em comum essa atração pelas minorias. Mas eu prefiro as pacíficas; ele era mais as outras minorias, como os bandidos", diz Helena, que define sua nova produção como "um musical filosófico e político."

Ela resume: "É uma chanchada cósmica: modernista e tropicalista". O embrião do longa já estava no média-metragem "Poder dos Afetos" (2013), com o mesmo elenco e boa parte da mesma trama.

Orçado em R$ 400 mil, o longa é o terceiro da diretora, que também atua no papel de uma mulher xamânica. Na equipe não há mais do que 20 pessoas, incluindo os atores.

"Helena acorda todo dia com uma ideia nova para o filme. Às vezes muda tudo", conta Ney. A diretora se justifica: "É que cinema acontece no set. Se perder o frescor, já era".

"Ralé" ainda não tem data para estrear nos cinemas.


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