Folha de S. Paulo


Opinião: Mundo pop marcou o cinema de Maysles

O cineasta americano Albert Maysles, que morreu na última sexta (6) das consequências de um tumor no pâncreas, aos 88 anos, permanecerá como um dos grandes documentaristas da história, um dos formadores do "cinema verdade".

Trabalhando com o irmão David (que morreu em 1987) ou sozinho, Maysles se manteve fiel a dois princípios: não estabelecer um roteiro antes de filmar e nunca entrevistar pessoas, nem mesmo aquelas que eram o foco de seus documentários.

Ele conseguiu retratos impactantes desde seu primeiro filme, "Psychiatry in Russia", que exibe o cotidiano de uma instituição psiquiátrica na União Soviética. Um resultado impecável foi "Salesmen", realizado em 1968, mostrando o trabalho de quatro vendedores de bíblias no Estado da Flórida.

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Mick Jagger e os Rolling Stones em Altamont, onde Albert Maysles registrou o histórico documentário
Mick Jagger e os Rolling Stones em Altamont, onde Albert Maysles registrou o histórico documentário "Gimme Shelter"

Mas a trajetória de Maysles ficou marcada por sua escolha de temas ligados ao mundo da cultura pop.

Ele e o irmão, por exemplo, acompanharam a primeira viagem dos Beatles aos Estados Unidos em 1964 para fazer "What's Happening! The Beatles in the U.S.A.".

O filme alterna cenas das apresentações da banda com imagens do quarteto fazendo caretas para a câmera ou pulando em camas de hotel.

Em 1991, o documentário foi reeditado e rebatizado de "The Beatles: The First U.S. Visit", e é com esse título que pode ser encontrado nas lojas americanas.

Maysles prosseguiu com retratos pop, gravando documentários sobre Orson Welles e Marlon Brando.

Sua vida mudou com "Gimme Shelter", que rodou em 1969 e lançou no ano seguinte. Chamado para registrar uma turnê dos Rolling Stones, captou a banda em seu concerto mais dramático, no autódromo de Altamont, na Califórnia. O grupo britânico contratou como seguranças do evento a então já celebrada gangue de motoqueiros Hell's Angels.

O show foi caótico. Mais de 400 mil pessoas compareceram e a organização não conseguiu controlar a multidão. Entre muitas brigas, quatro pessoas morreram. Duas atropeladas, uma afogada num lago e a última assassinada bem perto do palco, na frente de Mick Jagger.

Meredith Hunter, um rapaz negro, sacou uma arma quando o clima diante do palco era de confusão. A câmera de Maysles flagrou a imagem da arma e o começo da surra que o levaria à morte. Não foi preciso entrevistar ninguém. Os rostos dos Stones e de alguns fãs, com expressões pasmadas, são suficientes para inserir o espectador naquele momento tenebroso.

"Gimme Shelter" conecta realidades entre quem protagoniza e quem assiste. Como Albert Maysles sempre conseguiu fazer em seus 49 documentários. Trabalhando mesmo doente, deixou o último inacabado, "In Transit".


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