Folha de S. Paulo


Sai no Brasil livro que disseca canções de 'Velvet Underground & Nico'

Um dos grandes clichês da história do rock costuma se metamorfosear conforme a vontade do freguês. Ele diz respeito a determinado disco que não fez muito sucesso em sua época, mas deu à luz inúmeras bandas importantes, nascidas a partir de discretas audições desse trabalho.

Há uma outra variante: tal show foi assistido por apenas uma dúzia de gatos pingados, mas foi tão vital para esses gatos que cada um deles acabou montando uma banda.

O clichê discográfico nasceu com "The Velvet Underground & Nico", o disco do Velvet lançado sem alarde em 1967. Era um trabalho tão à frente do seu tempo, tão impossível de catalogar, que a coisa ficou por aí mesmo.

A banda foi se debatendo até o começo dos anos 70, para acabar morrendo na praia.

No entanto, um dos acontecimentos musicais mais superlativos daquela década e das décadas seguintes tem a ver com esse disco.

Stephen Shore/Divulgação
Nico (centro), Lou Reed, Sterling Morrison, Maureen Tucker e John Cale, do Velvet Underground, nos anos 1960
Nico (centro), Lou Reed, Sterling Morrison, Maureen Tucker e John Cale, do Velvet Underground

"The Velvet Underground & Nico", com sua parede sonora barulhenta, suas letras amaldiçoadas que tratavam do submundo das drogas e do sexo sadomasoquista, suas invenções que misturavam um kit de bateria tocado por uma moça tímida com uma viola maltratada por um músico galês de vanguarda, acabou dando no movimento punk.

O punk foi uma explosão desbocada e libertadora, e tudo o que veio depois dele se viu no direito de fazer barulho, na base do "faça você mesmo", um dos lemas do movimento.

Um livrinho de 2004 com o título do álbum, escrito por um músico-fã, conta a história nervosa desse disco, tomando cuidado com a veracidade dos fatos e trazendo uma coisa impensável para um livro de rock: notas de rodapé. A obra sai agora no Brasil, dentro da coleção "O Livro do Disco", da Cobogó.

Baseado em entrevistas e leituras próprias, Joe Harvard tentou destrinchar a realização do álbum lançado no mesmo ano do Verão do Amor e de "Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band", a diatribe fonográfica dos Beatles.

O livro, aliás, mostra como o Velvet Undergournd nada tinha de Beatles, nem de verão, nem de amor.

Enquanto os hippies atravessavam o país rumo à Califórnia, Andy Warhol produzia uma banda estranha que se vestia de couro preto, fazia um barulho infernal e usava temas proibidos nas letras.

Tudo estava no começo: a amizade entre Lou Reed e John Cale, as ideias avançadas de Warhol, bolando a mais célebre capa do rock –a da banana– e apresentando a voz de veludo escuro da cantora Nico –empurrada goela abaixo da banda por Warhol–, a concepção musical de vanguarda, com afinações malucas para as cordas das guitarras, a insolência dos meninos arrojados.

Tudo está ali, nos momentos que antecederam a grande explosão, cujo efeito final só viria a ser sentido dez anos depois, no tremor de terra do movimento punk.

O LIVRO DO DISCO - THE VELVET UNDERGROUND AND NICO
AUTOR Joe Harvard
TRADUÇÃO Thiago Lins
EDITORA Cobogó
QUANTO R$ 32 (152 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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