Folha de S. Paulo


Razão de sucesso mexicano em Hollywood é união de diretores

"Quem deu o visto de permanência para esse filho da mãe?", perguntou Sean Penn antes de entregar o Oscar de melhor filme para o mexicano Alejandro González Iñárritu, diretor de "Birdman".

A brincadeira do ator reflete o bom momento do México em Hollywood. Além do prêmio principal no Oscar 2015, a vitória de Iñárritu em direção foi a segunda consecutiva do país na categoria –no ano passado, Alfonso Cuarón venceu por "Gravidade".

Como se não bastasse, o também mexicano Emmanuel Lubezki levou outra estatueta seguida pela fotografia de "Birdman", repetindo o que havia feito em 2014 com o longa de Cuarón.

Ao lado de Guillermo del Toro ("O Labirinto do Fauno"), os dois diretores formam o "Los Three Amigos".

Cineastas de classe média e na mesma faixa etária –todos por volta dos 50 anos– que surgiram na década de 1990, quando a indústria mexicana penava para produzir algo digno.

"São cineastas que veem os EUA de dentro, mas também com distanciamento crítico", diz o brasileiro Walter Salles, diretor de "Central do Brasil" (1998) e "Diários de Motocicleta" (2004), ambos com indicações ao Oscar. "Não é tão diferente do que ítalo-americanos como Scorsese ou Coppola fizeram nos anos 1970."

Entre 2000 e 2001, Iñárritu e Cuarón dirigiram os longas "Amores Brutos" e "E Sua Mãe Também", ambos indicados ao Oscar, enquanto Guillermo del Toro já testava seu cinema de horror em Hollywood.

Nos anos seguintes, Iñárritu virou intelectual messiânico com "21 Gramas" (2003) e "Babel" (2006); Cuarón assumiu seu lado épico com "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban" (2004) e "Filhos da Esperança" (2006); Del Toro se transformou no mago da fantasia com "Blade 2 "" O Caçador de Vampiros" (2002) e "Hellboy" (2004).

UNIÃO

Se existe um segredo para o sucesso, é a união do trio. Sempre que um membro do grupo assume um projeto, repassa suas ideias para os outros, esperando ouvir críticas. Foi assim até com "Birdman": Iñárritu entregou o primeiro rascunho do roteiro para Del Toro, que não poupou o amigo.

"Só apontei o que era uma porcaria", brincou o diretor, cujo "Labirinto do Fauno" levou três Oscar (direção de arte, fotografia e maquiagem).

"A troca entre artistas é estimulante. No Brasil, pelo menos na minha geração, não rola", afirma Bruno Barreto, indicado ao Oscar de filme estrangeiro por "O que É Isso, Companheiro?", em 1998.

"Sempre mandei roteiros para diretores amigos e mostrei versões não finalizadas dos meus filmes. Raramente obtive um retorno sincero. Na maioria das vezes, tive elogios educados –quando não tinham gostado–, dos quais tirava alguma informação construtiva das entrelinhas."

Walter Salles também acredita que a união do trio é um fator crucial para o sucesso do México no Oscar. "Eles formam um núcleo criativo que permite uma resistência aos padrões cada vez mais repetitivos da indústria. São cineastas que desenvolvem o que querem, numa época em que isso se tornou mais difícil nos EUA."

O trio é tão unido que criou uma produtora, a Cha Cha Cha Films. Oficialmente, ela lançou apenas "Rudo e Cursi", filme de Carlos Cuarón, irmão de Alfonso, com Gael García Bernal e Diego Luna. No entanto, os três atuam como "produtores assistentes".

Ainda assim, cada um está em um canto do mundo. Iñárritu vive em Los Angeles, Cuarón em Londres e Del Toro se desdobra entre vários países, dependendo de onde está filmando. Só não volta ao México. Seu pai, um empresário da indústria automotiva, foi sequestrado em 1997 e libertado após o pagamento de milhões de dólares.

VISÃO DIFERENTE

Para o jornalista Carlos Gómez Iniesta, diretor editorial da "Cine Premiere", maior revista de cinema do México, "a vitória seguida significa a consolidação e reconhecimento de uma visão diferente". "O Oscar tem uma projeção mais global e vai abrir mais portas para nossos cineastas."

Com o dobro de salas de cinema do Brasil (cerca de 6.000), o México tem um público beirando os 200 milhões de espectadores –50 milhões a mais que o mercado brasileiro. No entanto, a produção é similar à nossa: em 2013, o México criou 126 filmes, enquanto o Brasil produziu 129 longas.

"Tirando uma febre de comédias românticas, estamos com um cinema de sucesso em festivais, algo mais regional, que encontra um bom público nas salas alternativas e cinematecas", explica Iniesta.

O Brasil chegou a ter algo parecido no início da década passada. "Cidade de Deus" e "O Jardineiro Fiel", dois filmes de Fernando Meirelles, emplacaram oito indicações ao Oscar. "Jardineiro" rendeu uma estatueta de melhor atriz coadjuvante para a britânica Rachel Weisz. Mas a participação brasileira na premiação minguou.

"Por que o cinema argentino, mexicano e, agora, o chileno, viajam mais que o brasileiro?", questiona Barreto. "Porque contam uma boa história, revelando o mito no cotidiano de seus personagens. Isso é universal na essência, mas regional no comportamento."

Já Salles acredita na "resiliência" do trio. "Iñarritu levou anos para fazer 'Birdman', houve resistência de todos os lados em relação ao elenco e ao tema. O mesmo aconteceu com Cuarón. Não é uma luta simples", diz o diretor.


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