Folha de S. Paulo


Semanas de moda reproduzem disparidade racial

Quando Michelle Obama subiu ao palco da Convenção Nacional Democrata, em 2012, a internet fervilhou. Palavras como "deslumbrante" e "roubou a cena" foram usadas a rodo. Elas não aludiam ao discurso da primeira-dama, mas a seu figurino: um vestido rosa e prateado brilhante, sem mangas, da estilista Tracy Reese.

Michelle Obama já tinha usado roupas da grife antes, mas nunca em ocasiões tão importantes.

O consenso geral foi que outra carreira tinha sido garantida e que um exemplo tinha nascido: Tracy Reese é afro-americana, e, comentou-se, a fama que ela adquiriu teria repercussões no mundo da moda que transcenderiam de longe aquela noite.

Dois anos mais tarde, porém, a Semana de Moda de Nova York contou uma história diferente.

Dos 260 desfiles que integraram a programação masculina e feminina, apenas três de alcance global foram de grifes afro-americanas: Tracy Reese, Public School e Hood by Air. Se for incluída a Cushnie et Ochs, sediada em Nova York, mas cuja coestilista, Carly Cushnie, é afro-caribenha, chega-se a quatro.

Quando se incluem grifes menores com receita anual inferior a US$ 1 milhão, como a Harbison, Pyer Moss e LaQuan Smith, a proporção sobe para um pouco mais de 2,7%.

Isso espelha a porcentagem de estilistas afro-americanos membros do Conselho de Estilistas de Moda da América: aproximadamente 12 de um total de 470.

"Houve mais estilistas de elite negros na década de 1970 do que há hoje", comentou Bethann Hardison, da Coalizão para a Diversidade. "Estamos regredindo."

Noam Galai/AFP
A estilista Tracy Reese walks durante a Mercedes-Benz Fashion Week, em 15 de fevereiro
A estilista Tracy Reese walks durante a Mercedes-Benz Fashion Week, em 15 de fevereiro

Embora o número de estilistas negros tenha se mantido constante ao longo das décadas, o que mudou foi a porcentagem.

A falta de representação afro-americana no establishment da moda de Nova York é surpreendente por vários motivos. Há anos o setor encontra "inspiração" na cultura afro-americana, do mundo da música (a "Vogue" citou Rihanna como a maior influência isolada sobre as passarelas da primavera de 2014) até a cultura de rua.

O poder de compra do consumidor afro-americano não para de crescer —segundo estimativa da Nielsen, ele chegará a US$ 1,3 trilhão até 2017. Além disso, existe uma máxima da moda segundo a qual quanto mais pontos de vista presentes numa equipe de design, mais relevante será seu produto final para o mundo global —e mais bem-sucedida a grife.

Membros do setor da moda —estilistas, professores, editores, varejistas e financistas— citaram vários fatores como responsáveis pela disparidade, incluindo as realidades socioeconômicas, os obstáculos educacionais e a visão que o mundo da moda tem de si mesmo como sendo um setor composto por outsiders.

Todos eles, disseram, criam o desequilíbrio, presente não apenas do lado criativo, mas também, como observa Tracy Reese, "em todos os níveis: jornalistas, compradores, gerentes de merchandising e executivos".

Recentemente, por exemplo, a ex-secretária social da Casa Branca Desirée Rogers estava usando um casaco do estilista nigeriano Duro Olowu, que trabalha em Londres e Nova York.

Ela comentou: "As pessoas não paravam de me perguntar: 'Adorei seu casaco, quem fez?'". Foi fantástico, disse. "Mas então faziam a pergunta seguinte: 'Onde posso comprar um para mim?'. E é aí que está a dificuldade."

Mellody Hobson, da Ariel Investments, empresa de investimentos de Chicago que gere um portfólio de US$ 10 bilhões, ponderou: "É um paradoxo. Durante boa parte de nossa história, os afro-americanos contribuíram para o estilo. Mesmo assim, estilistas afro-americanos enfrentam muita dificuldade para se firmar e criar negócios de vulto."

Shayne Oliver, 27, é estilista da Hood by Air, grife de vanguarda com raízes no mundo dos clubbers. Segundo ele, "esse é o nosso papel: vestir essa moda, mostrar que ela é cool, infundir um estilo de vida nela, em oposição a ser a pessoa que propõe as ideias. A cultura negra não enxerga a criação de roupas como um trabalho de homem."

Se não há exemplos nos quais se pautar, nem nas revistas de moda, é menos provável que os jovens vejam a moda como um setor que promete um futuro viável. Nadia Williams, professora assistente na Parsons the New School for Design, comentou: "A moda não é vista como uma saída".

Embora seja fato que muitas equipes de design são povoadas por homens e mulheres com identidades culturais diversas (asiáticos, europeus, gays etc), quando descrevem suas carreiras, estilistas como Tracy Reese e Charles Harbison, que trabalhou com Luca Luca e Michael Kors antes de fundar sua própria grife, dizem que eram a única pessoa negra presente no ateliê.


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