Folha de S. Paulo


Crítica: Noel Gallagher vira bom rascunho de si mesmo

Nas últimas semanas, Noel Gallagher resolveu reencarnar o espírito que o guiou na década de 1990. Em cada entrevista para revistas e tabloides britânicos, o ex-líder do Oasis disparou contra alguém no topo das paradas.

Disse que prefere beber petróleo direto da mangueira a ouvir uma entrevista de Alex Turner, vocalista do Arctic Monkeys, que não consegue viver num mundo onde o cantor pop Ed Sheeran toca no estádio de Wembley e que escrever músicas sobre a própria vida seria mais chato do que James Blunt, famoso pela torturante "You're Beautiful".

A pouco menos de um mês do lançamento de seu novo disco, o guitarrista sabe que soltar frases de efeito repercute mais do que falar sobre música -embora ele esteja certo em todas as afirmações.

Daigo Oliva/Folhapress
Noel Gallagher durante show em SP, em 2012
Noel Gallagher durante show em SP, em 2012

Foi com essa estratégia que ele construiu a fama do Oasis, melhor banda da geração britpop, mas que não teria o mesmo alcance não fossem as suas declarações e as de seu irmão, Liam Gallagher.

Por isso mesmo, o nome do novo álbum, "Chasing Yesterday" (buscando o ontem), cai tão bem. Além da estratégia de marketing, Noel repete também a sonoridade do Oasis e a de seu primeiro disco solo, "Noel Gallagher's High Flying Birds", lançado em 2011.

'HOTEL CALIFORNIA'

Nas dez faixas, o guitarrista alterna boas baladas, como "The Girl with X-Ray Eyes", que leva um toque à la "Hotel California", dos Eagles, com momentos mais dançantes.

Os primeiros singles, as ótimas "In the Heat of the Moment" -de pegada blues e refrão grudento- e "Ballad of the Mighty I", esta gravada com o amigo Johnny Marr, ex-Smiths, divergem um pouco de seu passado e têm potencial até para tocar nas pistas.

São boas canções, que contrastam com a tentativa pavorosa de soar moderno em "The Mexican", certamente a pior música do álbum. O britânico arrisca, mas é só uma base de guitarra genérica.

Na maior parte do disco, Noel faz aquilo que conhece bem, ou seja, rock com passagens psicodélicas, refrões fortes e melodias fáceis de assobiar, sempre memoráveis.

O problema é que ele acabou se tornando um refém de si mesmo. Grande compositor, caiu na vala do rascunho daquilo que já foi. Impossível escrever hits como "Wonderwall" todos os dias, muito menos obras-primas como "Supersonic" ou "Live Forever", mas ao terminar a audição de "Chasing Yesterday", a memória vai direto para o início da antiga banda.

O que faz sentido, já que a canção "Lock All the Doors", por exemplo, foi escrita antes mesmo do lançamento de "Definitely Maybe" (1994), primeiro álbum do Oasis. É uma sina cruel para o guitarrista, que viverá sua vida inteira sendo comparado ao que já fez -o que não é pouco.

Ainda assim, tudo o que Noel Gallagher produz está acima da média do rock atual. A sensacional "You Know We Can't Go Back" é música para lotar o estádio de Wembley -sem a presença de Ed Sheeran, claro.

Só que, por enquanto, ele terá que falar um pouco mais para chamar a atenção.

CHASING YESTERDAY
ARTISTA Noel Gallagher
GRAVADORA Sour Mash/Warner
QUANTO US$ 9,99 (R$ 28, pré-venda no iTunes); previsto para 2/3
AVALIAÇÃO muito bom ★★


Endereço da página: