Folha de S. Paulo


Filha de Nina Simone exibe documentário sobre a mãe

Quando fez 19 anos, Lisa Simone Kelly comunicou à mãe, a cantora Nina Simone, que se alistaria nas forças armadas. "Você pode imaginar o rosto dela quando falei isso? Os jovens encontram as formas mais loucas para atingir seus pais", contou Lisa à plateia do documentário "What Happened, Miss Simone?", um dos destaques da mostra Panorama do Festival de Berlim, exibido na quinta (12).

Lisa fez carreira na aeronáutica por dez anos. Foi uma forma de contrariar a mãe e de se vingar da relação tortuosa que tiveram. "Minha mãe podia se tornar um monstro", lembra-se Lisa, que hoje é cantora e acaba de lançar um álbum, "All Is Well".

Entre as forças armadas e a música, ela trabalhou na realização de um documentário que falasse "da glória e da tragédia" de sua mãe e de sua família. O filme foi dirigido por Liz Garbus e produzido pelo serviço de vídeo sob demanda Netflix.

Divulgação
Cena do documentário 'What Happened, Miss Simone?', de Liz Garbus, exibido no Festival de Berlim
Cena do documentário 'What Happened, Miss Simone?', de Liz Garbus, exibido no Festival de Berlim

Com farto material de arquivo e poucas entrevistas, o documentário resume a trajetória de uma das maiores cantoras dos EUA desde sua infância, na cidade de Tyron, Carolina no Norte, ao triste fim de vida na Europa. Ela morreu na França, em 2003, aos 70 anos, tomando medicamentos para depressão e amparada por poucos amigos.

A menina Eunice Waymon (nome de batismo de Nina) começou a tocar piano nos cultos de sua mãe, pastora metodista que trabalhava como doméstica. Os patrões da mãe assistiram a um culto e, impressionados com a garota, resolveram pagar aulas de piano.

Todos os sábados, dos quatro aos 18 anos, Eunice caminhava pela linha de trem até a "parte branca" da cidade, para tomar aulas. Sonhava em ser a primeira pianista clássica negra a tocar no Carnegie Hall.

O sonho veio por água abaixo quando não passou no concurso para o renomado Curtis Institute, na Filadélfia, aos 19 anos. Foi difícil entender a rejeição, já que técnica e talento não lhe faltavam. Mais tarde, soube que não foi aceita porque era negra.

Eunice não voltou para casa. Começou a tocar piano num bar e, como não queria que sua mãe soubesse disso, passou a usar o nome artístico de Nina (do espanhol "niña", como um namorado a chamava) Simone (homenagem à atriz Simone Signoret).

O filme se detém um bom tempo ao período em que a cantora se envolveu no movimento dos direitos civis. Depois que quatro meninas negras morreram na explosão de uma bomba, ela passou a defender o uso da violência na luta dos negros, o que complicou sua vida nos EUA.

Resolveu se mudar com Lisa para a Libéria e depois para a Europa. Retomou a carreira sem a mesma constância e terminou a vida em Paris, num apartamento pequeno, fazendo shows em um clube a US$ 300 por noite.

"Lá no sul dos Estados Unidos há um ditado que diz: 'truth shall set you free' (a verdade te libertará). Não foi nada fácil, mas agora que o documentário ficou pronto me sinto bem", concluiu Lisa, bastante emocionada.


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