Folha de S. Paulo


Novo espetáculo de Felipe Hirsch reflete país com mosaicos de texto

O cenário, assinado por Daniela Thomas e Felipe Tassara, resume-se a camadas de papel em branco, que, ao longo do espetáculo, ganham cores e letras. Não existe história, pelo menos história linear, com princípio, meio e fim. "Puzzle (D)", espetáculo de Felipe Hirsch que estreia nesta sexta (13) no Sesc Vila Mariana, é uma "jam" literária.

"Tem muito improviso. Construímos com a Sutil (Sutil Companhia de Teatro) uma linguagem forte. E agora encontrei outra linguagem", comenta Hirsch, sentado na plateia do teatro, enquanto o cenário em branco vai sendo construído. "Queria fazer algo importante. Não um arrasa quarteirão. Mas no sentido de importância histórica. O teatro foi colocado de lado, como um primo pobre".

O projeto "Puzzle" nasceu para o público na Feira do Livro de Frankfurt, em 2013, ano em que o Brasil foi homenageado. Estrearam na cidade alemã as três primeiras partes, A, B, e C. Ao todo, mais de sete horas em cena. Como um quebra-cabeças, trazia fragmentos de textos assinados por autores como Amilcar Bettega Barbosa, André Sant'Anna, Bernardo Carvalho, Jorge Mautner, Paulo Leminski e Veronica Stigger.

TV Cultura/Divulgação
O diretor de teatro Felipe Hirsch
O diretor de teatro Felipe Hirsch

O tríptico acendeu a crítica da Alemanha, que derramou elogios sobre o diretor brasileiro. Não havia ali, naquelas sete horas de espetáculo, o Brasil clichê, do sol, do carnaval e das bundas. E, sim, um Brasil cru, marcado pela violência, pela desigualdade social, pelo consumo desenfreado, pela pobreza estética do novos ricos.

"O sucesso na Alemanha deveu-se ao tom provocativo. Puzzle é como um Samurai, é preciso", diz Hirsch.

"Puzzle (D)", inédito em São Paulo (estreou em Santos, no festival Mirada 2014), entrelaça textos de Mário de Andrade, Haroldo de Campos, José Régio, Roberto Bolaño, Paulo Leminski e André Sant'Anna. No elenco, Georgette Fadel, Luiz Paetow, Magali Biff, Guilherme Weber, Luna Martinelli, Isabel Teixeira e o argentino Javier Drolas.

O espetáculo tem 60 minutos de duração. Começa resgatando artistas da Semana de Arte Moderna de 1992. "São pessoas que pensaram a arte brasileira numa escala universal", ressalta Hirsch.

Segue contrapondo o olhar crítico dos manifestos paulistas com aquilo que o diretor chama de "ufanismo vazio". Neste momento, entra em cena o livro "O Brasil é Bom", de André Sant'Anna. "Esta segunda parte é dedicada ao ufanismo vazio, o Brasil é bom porque é bom", diz Hirsch.

A terceira e última parte fala da solidão da língua portuguesa na América Latina. Uma citação do escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003) funciona como uma facada no estômago do Brasil. "O discurso dele é desagradável. Reflete sobre a Academia Brasileira de Letras, que tem Paulo Coelho como um dos seus membros, com a justificativa de que este divulga a língua 'brasileira'", conta Hirsch.

ULTRALÍRICOS

Quem for assistir a "Puzzle (D)" terá surpresas. Haverá participações especiais a cada apresentação. Na noite de estreia, a convidada especial é a cantora Cida Moreira.

Ao todo serão 12 convidados: banda Lettuce, André Sant'Anna, Laerte, Rodrigo Barros, Rodrigo Bolzan, M. Takara, Flávio Colker, Otto, Veronica Stigger, Carlito Carvalhosa e Dias & Riedweg. "Não sei os eles vão fazer no palco. É uma jam session", explica o diretor.

"Puzzle" marca nova fase de Hirsch. Nascido em Curitiba, em 1972, ele foi um "groupie" imberbe de Leminski. Em 1993, com amigos que incluem os atores Guilherme Weber e Leonardo Medeiros, criou a Sútil Companhia de Teatro.

Ao longo de duas décadas, a trupe paranaense colecionou cerca de 200 prêmios, com espetáculos marcantes como "A Vida é Cheia de Som e Fúria". O teatro da Sutil tornou-se sinônimo de contemporaneidade, um encontro do teatro com a cultura pop.

Em 2012, o grupo se desfez. "Eu vinha lendo literatura brasileira jovem há uns quatro anos. Desta pesquisa, nasceu o 'Ultralíricos', este guarda-chuva que vai encampar os projetos ligados à literatura", diz Hirsch. "Puzzle (D) é a transição para o próximo projeto, 'Labirinto'. Quero falar da América Latina, pelo olhar dos seus escritores."

PUZZLE (D)
QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h; até 8/3
ONDE Sesc Vila Mariana, r. Pelotas, 141, tel. (11) 5080-3000
QUANTO R$ 20
CLASSIFICAÇÃO 12 anos


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