Folha de S. Paulo


'Quem quiser ver sexo explícito pode usar internet', diz diretora de '50 Tons'

A cineasta Sam Taylor-Johnson, 47, está acostumada a enfrentar grandes dificuldades na vida. Aos 29 anos, descobriu um câncer de cólon, poucas semanas após ter dado à luz a primeira filha. Quatro anos depois, foi diagnosticada com câncer de mama, resultando em uma mastectomia e seis meses de quimioterapia. Ainda assim, suportar a pressão de dirigir "Cinquenta Tons de Cinza", adaptação para o cinema do best seller sadomasoquista de E. L. James, diz ela, foi "o maior desafio de sua vida".

Inglesa e proveniente do mundo elitista das artes plásticas, Taylor-Johnson gosta de manter a costumeira fleuma britânica, mas não resistiu. "Não vou mentir", conta ela à Folha. "Não foi divertido, foi exaustivo e complicado. Trafegar na realidade de um livro tendo a escritora como produtora, sexo como tema central e tantas fãs intensas foi essencialmente difícil."

A odisseia começou antes mesmo da diretora subir a bordo. O estúdio Universal comprou os direitos da trilogia de E. L. James -há as continuações "Cinquenta Tons mais Escuros" e "Cinquenta Tons de Liberdade"- por US$ 5 milhões, após uma disputa intensa com outros interessados. Todos queriam pôr as mãos no fenômeno literário erótico que começou como uma fan-fiction (histórias de personagens famosos escritas por fãs) de "Crepúsculo" e caminhava para 100 milhões de cópias vendidas em todo o mundo.

Divulgação
Jamie Dornan e Dakota Johnson interpretam os protagonistas de 'Cinquenta Tons de Cinza
Jamie Dornan e Dakota Johnson interpretam os protagonistas de 'Cinquenta Tons de Cinza'

Na negociação, James exigiu participação nos lucros e a função de produtora. Nomes como o de Gus Van Sant ("Gênio Indomável") foram ventilados, mas a escritora queria uma mulher no comando. Conseguiu Sam Taylor-Johnson, que tinha apenas um filme no currículo ("O Garoto de Liverpool"), porém sua bagagem como fotógrafa incluía exposições na National Portrait Gallery.

Juntas, começaram a compor o elenco. Dakota Johnson, 25, filha dos atores Don Johnson e Melanie Griffith, logo ganhou o papel da virginal Anastasia Steele, estudante de letras e protagonista da obra. "Trabalhamos desde cedo na personagem, porque não queríamos transformá-la em uma vítima", diz a diretora.

Já o misterioso bilionário Christian Grey, por quem Anastasia se apaixona -e a apresenta ao mundo do sadomasoquismo-, ficou sob a responsabilidade de Charlie Hunnam ("Sons of Anarchy"), que caiu fora da produção semanas antes do início das filmagens. "Charlie era fantástico e fiquei arrasada quando saiu, mas sabia que isso iria acontecer", surpreende a diretora, desmentindo boatos que o ator não suportou a pressão das fãs, que não o viam como Grey. "Ele estava comprometido comigo para um filme, mas incerto em relação a mais dois. O medo de passar dez anos ligado a um projeto foi demais."

Para o lugar de Hunnam, a diretora chamou o irlandês Jamie Dornan, ex-modelo e ator da série "The Fall", na qual faz um assassino em série de... mulheres. "Isso me abalou por um momento, mas resolvemos ter consciência desse detalhe e brincar isso no filme. Anastasia pergunta se ele é um serial killer e ele responde: 'Não hoje'.", diverte-se Taylor-Johnson. "Jamie é perfeito como Grey. É bobo, doce, carismático e charmoso. É uma pena que seja feio, mas ele superará isso", brinca.

Com o desejo das leitoras saciado, o desafio foi filmar uma trama que pode chegar a ter até 12 cenas de sexo, mas sem a liberdade que James teve no papel. Mesmo com a censura "R" (menores de 17 anos apenas acompanhado um adulto) nos Estados Unidos (no Brasil, menores de 16 não poderão ver o longa), Taylor-Johnson diz que foi "longe o quanto pôde nas cenas de sexo", mas que sabia tratar-se de um filme de estúdio de US$ 40 milhões. "Houve limitações. Jamie é casado e tinha acabado de ser pai quando começamos a filmar. Dakota está em um relacionamento. Não queria ver os dois fazendo sexo de verdade", conta.

Apesar da manutenção de cenas como a descoberta do "quarto proibido" (onde Grey mantém seus "brinquedos"), do sexo oral envolvendo uma gravata de seda, e do vinho e gelo em uma Anastasia nua, não há nada muito explícito no filme. "É uma história de amor com muito sexo, mas o interessante, para mim, é a sensualidade das preliminares. No momento em que você vê a penetração, o erotismo acaba. Quem quiser ver sexo explícito pode usar a Internet", diz a cineasta.

Para amaciar as críticas sobre a história incentivar a violência contra mulheres, ela consultou duas praticantes do bondage e sadomasoquismo. "Ninguém é forçado a fazer sexo. Tudo neste mundo é consensual e limitado por contratos que listam os desejos de cada um dos envolvidos. O amor que sai disso pode ser muito poderoso."

Apesar disso, Sam Taylor-Johnson, casada com o ator Aaron Taylor-Johnson, 24, com quem tem quatro filhas (duas do ex-marido), não sabe se "seu contrato" com o estúdio para os dois filmes seguintes seguirá os mesmos termos. "Eles podem me chamar, mas, neste momento, não quero fazer nenhum outro filme na minha vida", desabafa. "Foi como um intenso e longo trabalho de parto. Estou feliz com meu bebê, mas não quero passar tão cedo por isso de novo."

MAIS TONS DE CINZA

Leia a crítica da jornalista Barbara Gancia: "Adaptação para o cinema de "Cinquenta Tons de Cinza" é sadismo politicamente correto"

Igrejas se mobilizam contra o filme "Cinquenta Tons de Cinza"

Bombeiro da 'Eliana' interpretaChristian Grey brasileiro em boate

Comunidade reúne 38 mil fãs livros eróticos


Endereço da página:

Links no texto: