Folha de S. Paulo


Crítica: Peça sobre paixão dos fãs por Oscar Wilde tem resultado frio

"Beije Minha Lápide" teria sido escrita em menos de um mês; e foi colaborativa, ou seja, com protagonista, outros atores e a diretora modificando o texto junto com o autor. Também não podia ter o próprio Oscar Wilde (1854-1900) como personagem; mas já tinha o cenário definido antes de existir como história.

Com tantos constrangimentos, inclusive troca do autor, que seria originalmente outro, é compreensível que a peça assinada por Jô Bilac resulte algo distante, frio. É quase o oposto do que busca defender, ou seja: que não se deve constranger o afeto pegajoso dos fãs que beijavam a lápide de Wilde –o que o cemitério em Paris tentou fazer com uma cobertura de vidro.

Em se tratando de uma peça sobre um dramaturgo de voz muito própria (Wilde), seria de esperar mais reverência ao dramaturgo (Bilac) afinal escolhido.

Cabréra/Divulgação
Marco Nanini em cena de 'Beije Minha Lápide'
Marco Nanini em cena de 'Beije Minha Lápide'

Não que a nova peça de Bilac, autor bastante festejado no Rio, seja muito diferente das que ele mostrou até aqui em São Paulo, como "Savana Glacial", "Limpe Todo o Sangue Antes que Manche o Carpete" e mesmo "Rebú", seu melhor texto. São exercícios formais, em que os personagens recebem menos atenção que os volteios de linguagem.

O cenário que deu origem à peça, um cubo de vidro criado por Daniela Thomas, no qual Marco Nanini está preso, interpretando o fã que tentou quebrar a cobertura da lápide, é muito expressivo. Remete, obviamente, à prisão de Wilde, na Inglaterra homofóbica. Mas também isola o maior trunfo do espetáculo, seu protagonista.

Nanini não queria interpretar Oscar Wilde, no que talvez estivesse certo –até porque o Wilde sombrio, encarcerado no alto de sua glória como comediógrafo, já teve adaptação e representação marcantes com Elias Andreato. Mas o que resulta do ator sufocado na cela de "Beije Minha Lápide" é, inevitavelmente, um reflexo daquele Wilde.

Como se mal pudesse respirar, Nanini explode então nos solilóquios, quando abandona o personagem do fã e brada contra o mundo, como Wilde, afinal.

Na trama pouco desenvolvida que acontece em torno do cubo de vidro, envolvendo a filha, a advogada e um guarda do fã preso, com o elenco da Cia. Teatro Independente de Bilac, foi possível confirmar a atriz assombrosa que é Júlia Marini, já vista em "Rebú". É ela o elemento romântico, que saliva amor, em "Beije Minha Lápide".

BEIJE MINHA LÁPIDE
QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h; até 1º/3
ONDE Teatro Anchieta, r. Dr. Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000
QUANTO de R$ 15 a R$ 50
AVALIAÇÃO bom


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