Folha de S. Paulo


Crítica: Peça 'O Comediante' não chega a ser engraçada

Ary Fontoura, 82 anos completados ontem, poderia estar celebrando com um texto mais aprimorado esta sua volta ao palco depois de sete anos.

Parece ter buscado, na peça de um autor principiante e jamais encenado, o gaúcho Joseph Meyer, um pouco do risco que enfrentou em seu próprio início de carreira, seis décadas atrás, mambembando em circo e fazendo figuração para Procópio Ferreira.

"O Comediante", que se pretende uma comédia sobre um ator decadente, não chega a ser engraçada.

Na velha fórmula do teatro, um dramaturgo, sobretudo para fazer rir, aprende vendo o efeito do que escreve sobre o público. Meyer escreveu sem tal aprendizado, o que se percebe a cada nova cena -até configurar um drama ainda mais carregado que o filme de 1950 em que se inspira, "Crepúsculo dos Deuses".

Comediante experiente, Fontoura busca diretamente com a plateia o que não encontra de humor no texto, mas seus bons momentos são esparsos, isolados.

É especulação, mas talvez "O Comediante" pudesse ter encontrado o seu caminho cômico se o diretor José Wilker tivesse comandado a encenação até o final. Morto em abril de 2014, ele foi corresponsável por algumas das interpretações premiadas na carreira do ator, não só no teatro.

Ary Fontoura, embora mais popular pelas dúzias de telenovelas em que atuou desde os anos 1970, não descuidou do palco, quase sempre em papéis cômicos, mas nada superficiais -do cafetão Duran, do musical "Ópera do Malandro", de Chico Buarque, ao Bobo da tragédia "Rei Lear", de Shakespeare.

Já "O Comediante" apresenta como ostracismo o fato de seu protagonista não ser mais chamado para telenovelas -o que denuncia valores quase ofensivos ao teatro.

Mas nem tudo é perdido. O cenário, que teria sido projetado por Wilker, remete menos ao filme e mais ao teatro de décadas atrás, com sua escadaria, seu mobiliário empoeirado, seus figurinos pedindo ajuste.

É, de fato, um palco onde se imagina que um velho ator receberia, de seus fiéis assistentes e seguidores, flores enviadas em nome de supostos terceiros, para reanimá-lo, mantê-lo vivo.

É nesse sentido, dramaticamente, que a atuação de Fontoura tem as suas melhores passagens no papel de Walter Delon, com seu olhar triste, em autoengano consciente.

O COMEDIANTE
QUANDO sex., às 21h30; sáb., às 21h; dom., às 19h; até 15/3
ONDE Teatro Raul Cortez, r. Dr. Plínio Barreto, 285, tel. (11) 3254-1631
QUANTO R$ 70 (sextas) e R$ 80 (sábado e domingo)
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO regular


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