Folha de S. Paulo


'Birdman' se impõe sobre rivais do Oscar com dilema existencial

Os filmes do mexicano Alejandro González Iñárritu nunca possuíram muita ironia. Mesmo obras consagradas, como "Amores Brutos" (2000), "21 Gramas" (2003) e "Babel" (2006), revelavam um cineasta ambicioso e talentoso, porém extremamente sisudo, quase irritante, em busca de reconhecimento.

A ironia é que "Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)", sua primeira comédia, obteve nove indicações e virou favorito ao Oscar 2015 exatamente quando prêmios deixaram de ser prioridade para Iñárritu.

"Sucesso, para mim, é diferente do que era há cinco anos", afirma o cineasta à Folha, de Vancouver, Canadá, onde roda o próximo filme, "The Revenant". "Antes, eu queria ser aplaudido por um trabalho, mas agora prefiro ter o afeto da minha equipe. Lição que talvez tenha aprendido muito tarde na vida."

A nova forma de encarar a carreira não significa que o mexicano tenha ficado menos ambicioso. Pelo contrário: "Birdman" é um filme metalinguístico e um poderoso estudo sobre ego e realizações artísticas, empacotado no que parece ser (mas não é) um plano-sequência (quando a câmera filma sem que haja cortes) ininterrupto.

Divulgação
O herói Birdman, que batiza o filme
O herói Birdman, que batiza o filme

"Eu tinha consciência de que era absolutamente irresponsável", brinca o mexicano. "Sabia que o filme era um trem sem rumo em um território desconhecido, mas não tinha medo de falhar. Isso me libertou, me colocou em outro estado mental."

Para o diretor, filmar dessa forma, com cortes imperceptíveis, foi "um pesadelo intencional", mas "importante para a narrativa". Tanto que "Birdman" ocupou 30 dias de filmagens no tradicional teatro St. James, em Manhattan, mas precisou recriar os bastidores em um estúdio no bairro do Queens, onde o ambiente poderia ser mais controlado.

"Estilo e conteúdo fazem parte de um casamento. Eu sabia que precisaria de algo diferente para o público penetrar na mente do protagonista", conta Iñárritu.

"'Birdman' é como um musical de jazz. Foi bom, porque sou um músico frustrado e tive a experiência de trabalhar cada beat, ritmo e palavra. Era um timing perfeito, senão tudo falharia. Foi incrível, exigente e preciso."

No filme, Michael Keaton encontrou o papel de sua vida como Riggan Thomson, um ator de franquia de super-herói que trocou o sucesso certo de uma continuação para se reinventar na Broadway. Um paralelo que se aplica entre o ex-Batman e o ex-Birdman. "Dei sorte de Michael ter aceitado, pois sabia que traria uma metalinguagem interessante. Mas ele não se arrepende de ter recusado o terceiro 'Batman'. Sabia que seria uma porcaria."

Iñárritu identifica-se com essa luta entre a facilidade do medíocre e a dor pela arte. Ele considera tudo que fez antes de "Birdman" uma "merda". "Morro de medo de ser medíocre. É um filme sobre mediocridade e como lidamos com ela. A ambição humana pode ser engraçada e patética", filosofa. "Foi uma oportunidade interessante de explorar meu ego. Tenho mais trabalhos medíocres que bem-sucedidos. Sou um perfeccionista neurótico."

Tanta perfeição o deixou com dois prêmios que servem como termômetros fortes para o Oscar: os sindicatos de atores e produtores, quebrando a hegemonia de "Boyhood". Ainda assim, diz que aceitaria fazer um filme da Marvel "por muito dinheiro", mas logo completa: "Estou brincando. Seria uma péssima ideia. Eu levaria a Marvel à falência".


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