Folha de S. Paulo


Reedições celebram autor de 'O Coronel e o Lobisomem'

"A bem dizer sou Ponciano de Azeredo Furtado, coronel de patente, do que tenho honra e faço alarde."

Começa assim, com pompa e igual alarde, o romance "O Coronel e o Lobisomem", um dos clássicos do humor da literatura brasileira.

A saga lírica e surreal do coronel Ponciano completou 50 anos de publicação em 2014, quando o autor do livro, o fluminense José Cândido de Carvalho, faria cem anos.
Dois livros publicados no final do ano passado celebram as duas efemérides.

A Confraria dos Bibliófilos do Brasil, grupo de colecionadores de livros, lança uma coletânea de luxo com microcontos do autor, "100 Contados, Astuciados, Sucedidos e Acontecidos de José Cândido de Carvalho".

Chiquito Chaves - 8.ago.84 / Agência o Globo
O escritor fluminense José Cândido de Carvalho no Rio
O escritor fluminense José Cândido de Carvalho no Rio

O volume artesanal, em capa dura e tiragem limitada de 500 exemplares (destinado apenas aos membros da Confraria), é ilustrado por Claudius Ceccon.

Já a Companhia das Letras vai reeditar os principais livros do escritor. O principal deles, "O Coronel e o Lobisomem", já chegou às livrarias. A editora planeja ainda para este ano uma compilação de contos e outra de perfis jornalísticos. O primeiro romance do autor volta às lojas em 2016.

Cândido de Carvalho morreu em 1989, aos 74 anos. Embora tenha dedicado pelo menos 50 deles à literatura, sua produção foi pequena.

A estreia foi com "Olha para o Céu, Frederico!", de 1939. O romance colheu elogios da crítica, mas quem apostou no promissor jovem escritor teve que esperar 25 anos para ter a confirmação de seu talento. O livro seguinte, "O Coronel e o Lobisomem", só saiu em 1964. Depois disso, publicou apenas algumas reuniões de contos e crônicas.

Filho de lavradores, Cândido de Carvalho nasceu em Campos dos Goytacazes (RJ). Na adolescência trabalhou na refinação de açúcar.

Divulgação
Ilustração de Claudius Ceccon para a reunião de microcontos lançada pela Confraria
Ilustração de Claudius Ceccon para a reunião de microcontos lançada pela Confraria

A região da baixada campista dos anos 1920 impregnou o imaginário do escritor. Suas histórias retratam grandes engenhos de açúcar e poderosos coronéis, um mundo rural quase mágico, prestes a ser tragado pela modernidade.

Uma espécie de mistura entre o romance regionalista brasileiro dos anos 1930 e o realismo mágico latino-americano dos anos 1960 (Gabriel García Márquez, Carlos Fuentes).

O coronel Ponciano, por exemplo, dividido entre um Brasil arcaico e um outro que se pretende moderno, vai literalmente à loucura, deparando-se com sereias, onças e o lobisomem do título.

"É um anti-herói, malandro e preguiçoso, na mesma linhagem do Leonardo de 'Memórias de um Sargento de Milícias' e do Macunaíma", diz a escritora Noemi Jaffe, que assina o posfácio de "O Coronel e o Lobisomem".

ACHADO LINGUÍSTICO

Outra marca de Cândido de Carvalho é a linguagem extremamente singular de seus livros, a recriação da fala oral e regional dos personagens, principalmente pelo uso inesperado de prefixos e sufixos. No "Coronel", por exemplo, encontramos "boatismos", "desconsenti", "desensofrer", "desvontadoso".

"Nesses esdrúxulos achados linguísticos, ele vai revelando o modo de vida do homem urbano e rural, enquanto, pelo riso, traz à tona os sintomas produzidos pela cisão das classes na nossa sociedade", conta Arlete Sendra, professora da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, pesquisadora da obra de Cândido de Carvalho.

O "Coronel" foi um grande sucesso de público e crítica na época de seu lançamento. Alguns anos depois, muitos notaram semelhanças entre o jeito de falar do coronel Ponciano e o de Odorico Paraguaçu, o prefeito de Sucupira na novela "O Bem-Amado" (1973, Globo), de Dias Gomes. Para Cândido de Carvalho, não era mera coincidência.

"Ele ficou muito irritado, dizia que o Dias reaproveitou a linguagem do 'Coronel' na novela. Ele chamava o Dias de 'o vampiro de peruca'", conta Laura Lione de Carvalho, filha do escritor. Questionado pela imprensa, Dias Gomes (1922-1999) afirmou certa vez que nunca havia lido o romance.

O Coronel e o Lobisomem
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INACABADO

O tamanho esmero na recriação da linguagem foi uma das razões para o trabalho do autor ser tão vagaroso. Ele mesmo costumava brincar com a ideia de ser um "escritor lento", afirmando que "só escrevia um romance de 25 em 25 anos". Trabalhava no terceiro, "O Rei Baltazar", quando morreu.

Laura conseguiu agrupar 180 páginas datilografadas da história, deixada inacabada, sobre a relação de dois primos, um boêmio e outro de vida regrada. A família de Cândido de Carvalho pretende publicar o livro, mas ainda não fechou contrato com nenhuma editora.

O CORONEL E O LOBISOMEM
AUTOR José Cândido de Carvalho
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 48,90 (408 págs.)


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