Folha de S. Paulo


Romances dão continuidade a séries que terminam na TV

Em "Bratva", romance policial de Christopher Golden, Jax Teller, o grisalho vice-presidente de uma gangue de motoqueiros, e seus leais assistentes Opie e Chibs enfrentam mafiosos russos para salvar a meia-irmã de Jax. Seguem-se 200 páginas de tiroteios, brigas de socos e confusão generalizada.

Os personagens são velhos conhecidos dos fãs de "Sons of Anarchy", série do canal FX sobre uma gangue de motociclistas.

A sétima e última temporada da série terminou recentemente, e os personagens pararam no livro. O romance foi encomendado pelo criador da série, Kurt Sutter, para manter os fãs engajados com os personagens -e com a linha lucrativa de produtos que acompanharam o seriado.

"Bratva" é um dos exemplos mais recentes de um nicho crescente, mas pouco apreciado, do mundo editorial: os romances "tie-in", vinculados a séries ou filmes.

Já foram escritos romances baseados no drama sobre terrorismo "Homeland", na série policial britânico "Broadchurch" e no seriado de ficção científica "Fringe", de J.J. Abrams, e mais títulos devem chegar em breve.

Joe Alblas/Showtime
Os atores Claire Danes e Rupert Friend em cena da quarta temporada de 'Homeland'
Os atores Claire Danes e Rupert Friend em cena da quarta temporada de 'Homeland'

Também há romances que estão garantindo a sobrevida de personagens de séries de grande popularidade, mas que terminaram há algum tempo, como "Veronica Mars", "Buffy, a Caça-Vampiros" e "Murder, She Wrote" ("Assassinato por Escrito").

O 43a e o 44a romances "Murder, She Wrote" vão sair este ano, quase 20 anos após o fim da série.

Não é de hoje que estúdios e produtoras recorrem aos romances "tie-in" para captar a atenção dos fãs entre uma e outra temporada de uma série ou entre os filmes de franquias de grande sucesso.

Para as editoras, os romances "tie-in" são garantias de lucro certo, que prometem reconhecimento imediato de marca e acesso a bases enormes de fãs.

Um dos exemplos mais bem-sucedidos do gênero, e que existe há mais tempo, a série de livros "Star Wars", começou em 1976 e já vendeu mais de 125 milhões de exemplares.

Os autores e editores desses livros geralmente estimam que entre 1% e 2% do público total vai comprar o livro; logo, um seriado que é visto por 2 milhões de espectadores pode vender 20 mil cópias de um romance.

"Quando você conta com esse público já garantido, não sabe se todos os fãs vão se interessar, mas sabe que um certo tipo de fã vai", disse Michael Homler, da St. Martin's Press, que tem os direitos de publicação de "Bratva".

Mas em círculos literários esses livros são ignorados ou desprezados, sendo vistos como mero merchandising, não como arte.

"Recebem o mesmo tratamento que uma lancheira ou uma figurinha de ação", disse Max Allan Collins, autor de dezenas de romances baseados em séries e filmes, como "O Resgate do Soldado Ryan", "O Gângster" e "CSI".

Ultimamente, porém, esse subgênero tão pouco valorizado ganhou uma aura de respeitabilidade. Novos escritores aderem a ele, à medida que a televisão passa a ser uma mídia dotada de significado cultural cada vez maior.

Em vez de resumir tramas conhecidas, muitos romances "tie-in" apresentam histórias originais e desenvolvem os personagens de maneiras sutis, levando-os para muito além do que os fãs já conhecem.

Alguns autores conhecidos começam a arriscar-se no gênero. O premiado autor de livros de ficção científica Steven Charles Gould se comprometeu a escrever romances inspirados no filme de sucesso "Avatar", de James Cameron.

Alguns meses atrás, Dennis Lehane publicou "The Drop", baseado num filme policial cujo roteiro ele próprio escreveu. A Kirkus Reviews elogiou o livro, dizendo ser um "romance de prestidigitação" que é "mais fértil que uma simples recriação do filme".

Os romances baseados em filmes nasceram na época do cinema mudo e ganharam popularidade na década de 1930. O gênero continuou a crescer e explodiu nos anos 1970 e 1980, quando parecia que todos os filmes de grande sucesso ganhavam um romance.

Alguns continuam vivos como franquias de romances. Outros, livros de filmes como "Howard, o Super-Herói", "Gremlins" e "Curtindo a Vida Adoidado", foram rapidamente esquecidos.

Com a abundância de opções de alta qualidade na televisão e o interesse dos fãs por conteúdos adicionais relativos a seus programas favoritos, os livros "tie-in" vêm evoluindo também.

Quando Kurt Sutter e a FX procuraram Golden para escrever o primeiro romance baseado em "Sons of Anarchy", um seriado que ele adora, o autor não resistiu. Ele disse que ganha mais dinheiro com seus livros originais que com os tie-ins, mas que mesmo assim acha difícil recusar convites para escrevê-los, "porque o garoto de 15 anos que existe dentro de mim ficaria furioso se eu não topasse".

"Às vezes escritores que me perguntam por que estou fazendo isso, mas eu estaria traindo quem sou se dissesse que nunca mais farei um romance tie-in, se dissesse que isso é indigno de mim mesmo", falou Golden.

"Sou contra a ideia de que os romances tie-in não possam ter boa qualidade."


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