Folha de S. Paulo


Cartunista aprendeu a desenhar para fazer HQs sobre o Oriente Médio

Suleiman Bakhit fez do estudo dos heróis a sua profissão. Esse quadrinista jordaniano cria histórias sobre o Oriente Médio que são uma alternativa às ideologias terroristas.

Sua pesquisa para isso inclui o uso de questionários com crianças em bairros pobres de Amã e em campos de refugiados sírios.

Tudo isso, diz, lhe permitiu entender o que alimenta o terrorismo, dando-lhe uma visão de especialista sobre as estratégias de propaganda do Estado Islâmico.

Se antes Osama bin Laden fazia sermões em vídeos didáticos, agora o EI coloca jihadistas jovens dirigindo-se a potenciais recrutas em suas línguas nativas e com uma conexão emocional.

Eles "pregam o terrorismo como uma jornada heroica", disse Bakhit. "A maior ameaça no Oriente Médio é o terrorismo disfarçado de heroísmo."

Ele diz acreditar que a narrativa terrorista está "copiando a obra de Joseph Campbell". Na opinião do escritor americano, que estudou os mitos em profundidade, uma jornada heroica é central para a criação de mitos.

Um herói precisa ser chamado à ação, talvez hesite, mas em seguida sairá de casa e será testado. Entre outras coisas, o trabalho de Campbell inspirou George Lucas a criar "Star Wars".

Bakhit, 36, esmiuçou essa ideia durante uma palestra em 2014 no Fórum da Liberdade de Oslo, uma reunião de ativistas. "A maior jornada heroica em nossa cultura é a viagem de Maomé".

"O interessante é que Bin Laden imitou essa viagem ao pé da letra. Ele deixou sua vida de riqueza e aristocracia na Arábia Saudita, foi para as cavernas no Afeganistão e surgiu a partir dessas cavernas como um novo líder, com uma nova visão para limpar a vergonha da nação muçulmana por meio da violência."

Na visão do Estado Islâmico, vivendo ou morrendo você ganha. "Se você for morto, vai se encontrar com o profeta e com Alá", disse Bakhit. "Se não, você ainda está na sua jornada."

Sob muitos aspectos, Bakhit, filho de um ex-primeiro-ministro da Jordânia, também cumpre a sua jornada campbelliana.

Como muitas pessoas, ele viu sua vida mudar em 11 de setembro de 2001, quando estava na Universidade de Minnesota. Após os ataques, decidiu visitar escolas da região para explicar às crianças que os islâmicos em sua maioria não são terroristas.

Quando um garoto lhe perguntou se os árabes tinham seus próprios Superhomem e Batman, ele percebeu que a resposta era não.

Sozinho, aprendeu a desenhar e começou a inventar histórias. Acabou por se mudar novamente para a Jordânia, onde criou a Aranim Media Factory. Então fez as pesquisas qualitativas com grupos de crianças jordanianas.

"Fui lá e perguntei às crianças: 'Quem são seus heróis?'", contou ele. "Não temos heróis, mas ouvimos muito sobre Bin Laden, sobre Zarqawi", prosseguiram as crianças, referindo-se ao militante radical islâmico jordaniano Abu Musab al-Zarqawi.

"Eu disse assim: 'O que vocês ouvem sobre eles?', e elas responderam: 'Que eles nos defendem contra o Ocidente, porque o Ocidente está a fim de nos matar'. E essa é a narrativa terrorista."

Mais de 1 milhão de exemplares das suas histórias em quadrinhos já foram distribuídos em escolas na Jordânia. Seus primeiros álbuns eram sobre heróis de guerra do país.

Em seguida, ele expandiu, criando, por exemplo, uma história sobre uma unidade militar totalmente feminina. Um de seus personagens mais populares, Elemento Zero, era uma espécie de versão árabe de Jack Bauer, o agente antiterrorismo da série americana de TV "24 Horas".

As narrativas do Estado islâmico e de seus afins estão "anos-luz à frente do que nós temos, e ninguém está lutando no mesmo nível", disse. "É essencialmente uma guerra de mitologias."


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