Folha de S. Paulo


Artista cria retrato da periferia em capas de CD com anônimos de SP

Preto, humilde, feliz e forte. Jean Müller Batisti Fernandes, o Jimmy, resumiu nessas quatro palavras a imagem que faz de si mesmo. Definiu também o Brasil como um lugar belo e perigoso.

Ele é um dos 43 retratados por Bárbara Wagner, 34, em sua mais nova série. Num estúdio montado no terminal de ônibus Cidade Tiradentes, no extremo leste paulistano, a artista entrevistou e fotografou gente que passava por ali.

Depois escalou um designer de capas de CDs de pagode –o Bobby Djoy, de Salvador– para criar uma composição visual com base nos depoimentos dos entrevistados. O resultado lembra as embalagens dos milhares de discos piratas vendidos ali mesmo, com a diferença que estampam o povo na capa.

Na semana que vem, quando os retratos de Wagner forem pendurados nas grades que rodeiam o terminal, numa ação bancada pela prefeitura, estará armado um estranho espelho da periferia paulistana, cheio de delírios de riqueza, mensagens religiosas e uma queda por axé e forró.

"Queria experimentar com a confecção de uma imagem pop", diz a brasiliense, que se divide entre Recife e Berlim. "E a capa de CD é o palco da pessoa que se torna pública."

No fundo, Wagner, que produz agora um documentário sobre a força da estética brega no Recife, vem fazendo de sua obra uma poderosa reflexão sobre o mau gosto, dissecando o poder de sedução de tudo que é cafona ou kitsch.

Sua primeira série, em que retratou banhistas da praia de Brasília Teimosa na capital pernambucana, já carregava nas cores e no flash estourado sem pudor para criar um dos retratos mais contundentes do povo brasileiro na fotografia recente, de uma sem-vergonhice ao mesmo tempo bela e precária.

"Essa é a minha etnografia", diz a artista. "A ideia do que é mau gosto, excessivo ou kitsch, que virou fetiche na arte contemporânea, já me interessa de outra forma. Não quero falar de problemas de classe olhando para as origens do Brasil. Minha obra fala do presente, e o que eu mais gosto nela é que nem parece arte."

Nessa esfera do fajuto, o trabalho de Wagner lembra as imagens do fotógrafo britânico Martin Parr, que retratou a classe trabalhadora de balneários decadentes no Reino Unido, em cenas de acidez tão transbordante quanto suas gordinhas branquelas que mal cabem nos seus biquínis.

"Nenhum deles trata a miséria de cima para baixo", diz o fotógrafo Iatã Cannabrava, do Estúdio Madalena, que produziu o trabalho de Wagner, sobre sua semelhança com o artista britânico. "Eles respeitam tanto os poderosos quanto os pobres."

DIREITO AO FEIO

"No fundo, sou uma maloqueira", diz Wagner. "Meu olhar não tem nada de diferente em relação à periferia. Não tinha nada de novo, a não ser o fato de que ninguém tinha feito aquilo antes. É tudo muito natural para mim."

Wagner compara sua obsessão pelo brega, aliás, ao que a arquiteta Lina Bo Bardi, morta aos 77, em 1992, resumiu como "direito ao feio", ao pedir que funcionários do Sesc Pompeia levassem seus bibelôs prediletos para montar uma mostra nos anos 1980.

Desde então, na visão de Wagner, o brega vem evoluindo. "Hoje ele não é mais excesso visual, já virou minimalista", diz a artista. "As musas do axé imitam a Beyoncé com fotos em preto e branco. Essa é uma subversão maravilhosa."


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