Folha de S. Paulo


Livro reúne textos sobre Angelo Agostini, pioneiro do cartum no país

Ainda hoje é difícil traçar um retrato exato do artista gráfico que retratou como poucos o Brasil do século 19.

O italiano Angelo Agostini foi o maior caricaturista da imprensa brasileira do período. Seus desenhos são fontes valiosíssimas para hoje compreendermos o cotidiano do país e os embates políticos da época, tais como a abolição da escravatura e o fim da monarquia.

Mas quem quiser conhecer o homem por trás de todos esses feitos irá se deparar com alguns enigmas. Não se sabe ao certo em que cidade da Itália ou ano Agostini nasceu (a maior parte das referências aponta 1842 ou 1843) nem quando chegou ao Brasil (acredita-se que em 1859).

Esses pontos biográficos obscuros e a vasta produção do caricaturista são temas da coletânea "Agostini —Obra, Paixão e Arte do Italiano que Desenhou o Brasil", organizado pela historiadora Isabel Lustosa.

O volume, fruto de um seminário realizado em 2010, no centenário de morte de Agostini, traz textos de Lilia Moritz Schwarcz, Marcus Tadeu Daniel Ribeiro e Antonio Luiz Cagnin, entre outros pesquisadores.

"Agostini foi uma influência central nas artes gráficas brasileiras, influenciou grandes talentos do país. Além de grande artista, era um empresário, um homem de visão, inovador", comenta Lustosa.

INDEPENDÊNCIA

Após um primeiro período em São Paulo (onde fundou os periódicos de humor "Diabo Coxo" e "Cabrião"), fixou-se no Rio.

A grande fase da carreira de Agostini começou em 1876, ao fundar a "Revista Ilustrada", publicação satírica que marcou o período final da monarquia e o início da república no Brasil.

A "Revista" primou pela independência editorial e por um longo tempo não publicou anúncios, sobrevivendo apenas da venda de seus exemplares (façanha considerável, levando em conta os altos índices de analfabetismo na época).

Com humor afiado, a "Revista" conquistou os leitores ao abordar temas que mobilizaram o interesse da nação. Em letras e traços, Agostini retratou a Guerra do Paraguai, defendeu a abolição da escravatura e criticou o regime monárquico.

Suas caricaturas de dom Pedro 2º, em geral retratado como um monarca de voz e pernas finas, ar entediado, sempre cochilando em eventos públicos, tornaram-se célebres –os desenhos são tema de ótima análise de Lilia Moritz Schwarcz.

A partir de 1880, a campanha abolicionista tornou-se o principal assunto da "Revista Ilustrada", fonte de inspiração para alguns dos mais famosos desenhos de Agostini.

Em um dos ensaios do livro, o historiador de arte Marcus Tadeu Daniel Ribeiro argumenta que Agostini, ao retratar em imagens dramáticas a vida dos escravos, foi um dos artífices do surgimento do realismo artístico no Brasil.

O FIM

A grande fase da "Revista" foi até 1888, quando Agostini partiu para uma espécie de exílio forçado na França. O cartunista, já casado na época, viu-se envolvido em um escândalo familiar quando tornou-se público seu caso com a pintora Abigail de Andrade, filha de um abastado fazendeiro do Rio.

Esperando os boatos perderem fôlego, Agostini permaneceu em Paris até 1894. O período foi traumático: lá morreram Abigail e um filho deles, ainda bebê.

Enquanto isso, sem seu criador por perto, a "Revista Ilustrada" perdeu as principais características que a fizeram célebre.

Especialmente após a Proclamação da República, em 1889, abandonou o tom crítico, a verve combativa, e passou a militar pela causa governista de forma incondicional, comenta Daniel Ribeiro.

Contrário a essa nova tendência, Agostini, ao voltar ao Brasil, afastou-se do periódico e fundou outra publicação satírica, a "Dom Quixote".

O novo empreendimento não teve grande impacto; a própria "Revista Ilustrada" deixou de circular em 1898 –ambas sucumbiram diante de publicações de estrutura empresarial mais organizada e técnicas de impressão mais modernas e baratas, como "O Malho", onde Agostini trabalhou em seus últimos anos.

Mas o talento de Agostini sobreviveu a todas essas turbulências e permanece, divertido e ferino, em cada imagem que criou.

AGOSTINI

Organização Isabel Lustosa
Editora Fundação Casa de Rui Barbosa
Quanto R$ 52 (272 págs.)


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