Folha de S. Paulo


Análise: Lincoln Olivetti tinha rusgas com a imprensa

Poucos músicos brasileiros sofreram tanta perseguição da crítica musical quanto Lincoln Olivetti.

A partir do fim dos anos 70, quando começou a se destacar como um dos arranjadores de maior sucesso comercial, ele foi acusado de "pasteurizar" a música brasileira e de colaborar com uma suposta queda de qualidade artística da MPB.

"Disseram que eu estava pasteurizando a MPB, mas eu só estava fazendo o que julgava melhor para os artistas," me disse o arranjador, há pouco menos de um ano.

O sucesso de Olivetti foi impressionante: na passagem dos anos 1970 para os 1980, ele tocou e fez arranjos de metais em "Rita Lee", LP que tinha "Lança perfume", "Baila comigo" e "Caso sério", fez os arranjos de "Festa do interior" e "Meu bem, meu mal" para Gal Costa, trabalhou com Jorge Ben em "Salve simpatia", fez arranjos para Gilberto Gil em "Não chore mais" e "Palco", e para Tim Maia em "Eu e você, você e eu" e "Acenda o farol".

Olivetti se especializou em arranjos festivos e dançantes, que alavancavam a vendagem dos discos, mas que nem sempre tinham os elogios da crítica.

É preciso contextualizar as críticas que ele recebia. Na virada dos anos 70 para os 80, a indústria do disco sofria uma grave crise no Brasil. Gravadoras cortavam seus elencos e despediam artistas a rodo. A discoteca dominava as paradas, e muitos artistas veteranos se sentiram desprestigiados. Músicos que surgiram fazendo grande sucesso comercial, como a dupla Sullivan e Massadas e o próprio Olivetti, viraram bodes expiatórios de um enorme ressentimento da MPB.

Lulu Santos, grande fã do trabalho de Lincoln Olivetti, lembrou, em entrevista publicada em meu livro "Pavões Misteriosos - 1974-1983: a Explosão da Música Pop no Brasil" (Editora Três Estrelas), a reação negativa da crítica musical quando Gal Costa gravou o arranjo de Olivetti para "Festa do interior", de Moraes Moreira: "Acho a gravação de Gal um glorioso monumento à melhor MPB. Foi um estouro sem tamanho.

A reação da crítica foi de escárnio e fobia.

Lembra o 'Narciso às avessas' do Nelson Rodrigues, uma incapacidade de lidar com o prazer da realização e a vitória". Olivetti minimiza sua contribuição em "Festa do interior", dizendo que a batida que há no começo da música foi uma ideia de Moraes Moreira e já tinha sido aprovada pelo público na temporada que Gal fizera no Canecão.

As rusgas de Olivetti com a imprensa aumentaram por causa de seu temperamento fechado: "Sempre caguei e andei pra entrevista, só me preocupava com meu trabalho, não ligava pra festa nem autopromoção".

ANDRÉ BARCINSKI é jornalista e diretor do programa "O Estranho Mundo de Zé do Caixão", no Canal Brasil


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