Folha de S. Paulo


Crítica: 'Whiplash' sabe explorar a alma dos personagens

Parece que algo não vai de todo bem com Fletcher. Existe algo de insano no que esse professor de uma importante escola de música exige de seus alunos: que sejam geniais.

E o gênio, para ele, não é um dom, mas algo que se constrói pelo trabalho. Para ele, música é disciplina, renúncia. Ele acha que por falta disso é que não há um novo Charlie Parker. Por isso o jazz está morrendo. É ele que diz.

Pode-se objetar que talvez seja o excesso de tirania, a experiência da música não como prazer, mas como dor, a maníaca tendência a crer que só o sucesso justifica a existência que estejam levando a uma falta de grandes músicos.

Não é o que pensa o jovem Andrew. Para satisfazer ao mestre e fazer parte de seu grupo, é capaz de dar um pé na namorada e tocar sua bateria até que as mãos sangrem, e mesmo depois. Ele se sente como que obrigado a responder aos desafios do mestre.

O problema do perfeccionismo, como "Whiplash - Em Busca da Perfeição" coloca, é saber não se ele é bom ou mau (a música é vista como competição), mas a partir de que momento configura doença.

Não importa se concordamos ou não com os métodos e modo de ser do professor (com o qual, grosso modo, o filme parece estar de acordo). Tudo se joga na espécie de performance a que se chegará.

Não se pode negar que tanto J.K. Simmons (Fletcher) como Miles Teller (Andrew) se saem bem. Embora Simmons tenha sido indicado a vários prêmios, Teller me agrada muito por certas sutis reações que seu rosto registra em momentos pontuais.

E o jovem diretor-roteirista Damien Chazelle, da mesma forma como se obstina em tirar o máximo dos atores, também se dedica com afinco a explorar a personalidade dos personagens (mas não a se indagar sobre elas: ele parece conhecer antecipadamente as respostas) e a secreta sintonia que se cria entre ambos.

"Whiplash" está longe de ser um mau filme. Mas é algo duro: parece saído do Tea Party para a tela.

Sobra-lhe em obstinação o que falta em generosidade e visão ampla. Não aspira a uma "cena perfeita", assim como Andrew sonha com um solo perfeito? Pode ser. Parece ser, até. Em todo caso, eis aí um filme americano, sobre esforço, sobre artistas, com aspiração a prêmio, que não termina em aplausos. Eis um bom ponto de partida.

WHIPLASH: EM BUSCA DA PERFEIÇÃO
DIREÇÃO Damien Chazelle
ELENCO Miles Teller, J.K. Simmons
PRODUÇÃO EUA, 2014, 12 anos (estreia nesta quinta-feira, 8/1)
AVALIAÇÃO bom


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