Folha de S. Paulo


Retrospectiva: Na cultura, morte foi a principal personagem

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O cineasta brasileiro Eduardo Coutinho, morto em fevereiro, é lembrado na homenagem do Oscar
O cineasta brasileiro Eduardo Coutinho, morto em fevereiro, é lembrado na homenagem do Oscar

No cenário cultural de 2014, o clima de Copa começou antes, em fevereiro, com telões em bares país afora exibindo para a torcida o histórico primeiro beijo gay numa novela da Globo -num final mais feliz do que a Copa de fato reservaria ao Brasil.

Foi um ano em que uma tradução de mais de mil páginas, difícil de ser lida de cabo a rabo, conseguiu a proeza de ganhar prêmio quatro dias após chegar às livrarias. O livro é "Graça Infinita", de David F. Wallace (1962-2008), vertido por Caetano Galindo, e o prêmio, o da Associação Paulista de Críticos de Arte.

Um ano em que brasileiros passaram um bocado de tempo em filas para ver exposições ultrapop, como a de David Bowie, que atingiu a maior média de visitas no MIS, a de Yayoi Kusama, cujo universo de bolinhas atraiu 1,7 milhão de pessoas, e a de Ron Mueck, com gigantescas esculturas, que bateu recordes em São Paulo e no Rio.

Num ano assim, cheio de acontecimentos superlativos, nenhum personagem foi mais onipresente do que a morte.

A bruxa esteve à solta como personagem ardiloso, capaz de levar num só dia o multipremiado ator americano Philip Seymour Hoffman e o celebrado cineasta brasileiro Eduardo Coutinho -um por overdose de heroína, outro pelas mãos do filho, esquizofrênico, que lhe cravou duas facadas na barriga.

Seus lances inverossímeis incluíram abater num infarto um José Wilker que parecia tão saudável e, pelas próprias mãos, um deprimido Robin Williams, célebre por seus papéis que faziam rir.

Em abril, a morte buscou um dos maiores romancistas do século 20, o colombiano Gabriel García Márquez. Em julho, num intervalo de cinco dias, ceifou dois dos maiores autores brasileiros, imortais arretados, o baiano João Ubaldo Ribeiro e o paraibano Ariano Suassuna.

Não sendo o suficiente, levou em novembro o mais popular poeta do país, Manoel de Barros, e o mais amado humorista latino, Roberto Bolaños, o Chaves.

Que em 2015, depois dessa atuação implacável, a morte dê trégua.

*

Veja outras mortes em 2014:

JANEIRO
O ex-premiê de Israel Ariel Sharon, aos 85.
O cantor romântico Nelson Ned, aos 66.

FEVEREIRO
A atriz americana Shirley Temple, aos 85.
O arquiteto e urbanista Jorge Wilheim, aos 85.
O violonista espanhol Paco de Lucía, aos 66.
Eduardo Coutinho, 80 - Morto a facadas em 2 de fevereiro pelo filho, que sofre de esquizofrenia, foi um dos maiores documentaristas brasileiros. Deixa 22 filmes, como "Cabra Marcado para Morrer" (1985)
Philip Seymour Hoffman, 46 - Morto em Nova York por overdose, ganhou Oscar, Globo de Ouro e Bafta por "Capote" (2005)

MARÇO
O ex-presidente do PSDB e deputado federal Sérgio Guerra (PE), aos 66.
O diretor francês Alan Resnais, fundador da nouvelle vague, aos 91.
O ator paulista Paulo Goulart, aos 81.

ABRIL
O historiador francês Jacques Le Goff, aos 90.
O locutor esportivo e apresentador paulista Luciano do Valle, aos 66.
Gabriel García Márquez, 87 - O colombiano Gabriel García Márquez morreu em 17 de abril, no México. Conhecido por seu estilo narrativo, o "realismo mágico", venceu o Nobel de Literatura em 1982. Uma de suas obras mais famosas é "Cem Anos de Solidão" (1967)
José Wilker, 69 - O ator e diretor cearense teve um infarto em 5 de abril. Na tela, seu papel mais popular foi o de Vadinho, em "Dona Flor..." 1976). Na TV, a última participação foi na novela "Amor à Vida" (2013)

MAIO
O cantor paulista Jair Rodrigues, aos 75
O arquiteto carioca João Filgueiras Lima, o Lelé, aos 82, em Salvador.
A vidente Mãe Dinah, aos 83

JUNHO
O ex-governador e ex-prefeito do Rio Marcello Alencar (PSDB), aos 88.
A intelectual feminista carioca Rose Marie Muraro, aos 83.
O humorista e roteirista carioca Max Nunes, 92.
O jazzista americano Jimmy Scott, aos 88.
Aos 91, a cantora Marlene, ícone do rádio na década de 1940.

JULHO
O deputado paulistano Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), aos 83.
O imortal, poeta e crítico literário carioca Ivan Junqueira, 79.
O músico americano Tommy Ramone, dos Ramones, aos 65.
A cantora, escritora e ativista LGBT Vange Leonel, aos 51.
Aos 90, a escritora sul-africana Nadine Gordimer, Nobel de Literatura.
O escritor e imortal baiano João Ubaldo Ribeiro, aos 73.
O escritor e educador mineiro Rubem Alves, aos 80.
O humorista carioca Fausto Fanti, 35, do "Hermes e Renato".
Ariano Suassuna, 87 - O escritor paraibano Ariano Suassuna morreu em 23 de julho, no Recife. Imortal da Academia Brasileira de Letras, deixou 14 livros, entre teatro, poesia, romance e ensaios. Autor de obras como "Auto da Compadecida" (1955)

AGOSTO
O empresário paulistano Antônio Ermírio de Moraes, 86
O historiador paulista e professor de Harvard Nicolau Sevcenko, aos 61.
O italiano Giovanni Bruno, lenda da cultura cantineira paulistana, aos 78.
Robin Williams, 63 - Vencedor do Oscar por "Gênio Indomável", o ator suicidou-se em sua casa na Califórnia, em 11 de agosto

SETEMBRO
O carioca Sérgio Rodrigues, designer pioneiro e criador da cadeira "Mole", aos 86.

OUTUBRO
O ator e diretor carioca Hugo Carvana, aos 77.
O estilista dominicano Oscar de la Renta, 82.
O jornalista Ben Bradlee, editor do "Washington Post" durante o Watergate, aos 93.

NOVEMBRO
O acreano ex-ministro da Saúde Adib Jatene, aos 85.
O filósofo fluminense Leandro Konder, aos 78.
O paulista ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, 79.
O ator, escritor e produtor mexicano Roberto Bolaños, criador do personagem Chaves, aos 85.
O poeta cuiabano Manoel de Barros, aos 97.
O cineasta americano Mike Nichols, aos 83.

DEZEMBRO
O cantor britânico Joe Cocker, aos 70


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