Folha de S. Paulo


Pesquisa informal mostra do que vivem escritores no Brasil

Do que você vive? É a pergunta que todo autor ouve com frequência. Eu mesmo, nos malabarismos das contas do mês, sempre me pergunto como meus colegas conseguem se sustentar num país em que se lê tão pouco.

Como padrão internacional, para cada livro vendido o autor recebe em média 10% do preço de capa. O restante é dividido entre editora (que arca com custos de edição, publicação, promoção), distribuidora e livraria.

Considerando que a tiragem média de edição de literatura contemporânea no Brasil é de 3.000 exemplares, um autor com um livro a R$ 35 que, numa projeção otimista, consiga vender essa quantidade em dois anos ganharia R$ 5.250 por ano, menos de R$ 500 por mês.

Editoria de Arte/Folhapress
Escritores
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Escritores
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Apesar disso, a multiplicação de eventos literários -a participação num debate paga em média R$ 2.000- e alternativas de escrita abertas pela internet, pela TV e pelo cinema têm possibilitado a autores "estabelecidos" viver da escrita, embora não da venda de livros.

"Nunca houve tanto interesse em autores, mais do que em livros", diz Andrea del Fuego, 39, autora de "Os Malaquias", que em 2014 teve como principal fonte de renda as oficinas literárias.

Numa pesquisa informal com 50 autores de diversos perfis e estágios na carreira, obtive dados sintomáticos das formas de sobrevivência de escritores no Brasil. Os autores responderam a questões como "qual sua maior fonte de renda" e "o quanto a venda de livros representa da sua renda" -muitos sob a condição de que seus dados individuais não fossem divulgados.

VENDAS

Só quatro dos 50 escritores, três deles no campo da literatura juvenil/de entretenimento, apontaram a venda de livros como principal componente de sua renda.
Tammy Luciano é uma autora desse perfil, que levanta a bandeira da literatura comercial; seu romance "Claro que Te Amo!" vendeu 10 mil cópias em 45 dias. "O jovem consome muito. O livro para esse público pode ser vendido em larga escala", diz.

No geral, as principais fontes de renda decorrem de atividades relacionadas à escrita, como dar aulas ou palestras, realizar oficinas literárias, traduzir livros, trabalhar com jornalismo e criar roteiros de cinema e televisão.

O gaúcho Paulo Scott, 48, lança em abril, pela Foz, seu próximo romance, "O Ano que Vivi de Literatura", no qual aborda essa realidade.

"É uma abordagem ficcional que acabou envolvendo o quadro 'escrever um livro' que, caso repercuta, levará o autor a ser convidado a eventos literários, indicado a premiações, adaptado para o cinema e o teatro", discorre.

Apenas 11 dos 50 entrevistados disseram ter profissão sem relação com atividade artística e, desses, dez apontaram essa outra ocupação como principal fonte de renda.

"Não ter de cumprir expediente faz diferença para quem precisa de tempo, ou ao menos administrar o tempo com mais liberdade," diz Michel Laub, 41, que teve como maior fonte de renda em 2014 as vendas de direitos de seus livros para o exterior.

OUTROS TEMPOS

O escritor que cumpre expediente como funcionário público -ocupação, em outros tempos, de nomes como Machado de Assis e Lima Barreto- já não parece comum.
Apenas três dos consultados fazem ou fizeram parte desse grupo. É o caso de Marcos Peres, 30, autor de "O Evangelho Segundo Hitler" e técnico judiciário do Tribunal de Justiça do Paraná. "É burocrático, nada glamoroso, mas necessário", diz.

Dos autores pesquisados, a maioria considera a situação do autor brasileiro hoje melhor que há 20 anos.

"Naquele tempo não havia escritor 'profissional' (com as exceções de sempre), coisa comum hoje em dia. Muita gente vive da escrita hoje. O escritor não precisa mais se submeter a um emprego fora da sua área", diz Ivana Arruda Leite, 63, que estreou na literatura em 1997 e se dividiu entre a escrita e o funcionalismo público até 2013, quando se aposentou.

Alguns autores não souberam opinar. Só Ricardo Ramos Filho, 60, escritor e cronista, neto de Graciliano Ramos, apontou a situação hoje como pior: "Embora o governo compre mais hoje, no geral as edições diminuíram em volume. Houve época em que era comum imprimir 5.000 livros numa primeira edição. Proporcionalmente, estamos lendo menos."

Nesse cenário, discussões recentes como a envolvendo a lei do preço fixo para livros (que impossibilitaria grandes redes de dar descontos nos lançamentos, protegendo assim as pequenas livrarias) é uma questão mais para editoras e livreiros do que para os autores; a maioria dos pesquisados afirmou não ter ainda uma opinião formada.

"Ganhar dinheiro" com literatura não chega a ser ambição confessa nem de metade dos entrevistados -20 deles marcaram a alternativa, entre diversas opções listadas. Menos ainda "vender muito", com 15 respostas. As opções mais citadas foram "fazer boa literatura", "contar uma história" e "ser lido".

Bem ou mal, das mais diversas formas, os autores sobrevivem. A questão parece ser como reproduzir leitores. Que as vendas mais expressivas se deem principalmente para as novas gerações talvez seja motivo de esperança na existência de um mercado para a literatura nacional.

SANTIAGO NAZARIAN é escritor, autor de "Biofobia" (Record), entre outros, mas vive principalmente de tradução.

AUTORES QUE PARTICIPARAM DA PESQUISA
Adrienne Myrtes, Ana Paula Maia, André Sant'anna, Andrea del Fuego, Anita Deak, Antonio Prata, Antônio Xerxenesky, Beatriz Bracher, Bruna Beber, Cadão Volpato, Carlos Henrique Schroeder, Carol Bensimon, Cintia Moscovich, Clara Averbuck, Claudia Tajes, Cristhiano Aguiar, Cristovão Tezza, Daniel Galera, Eliane Brum, Eric Novello, Ferrez, Giulia Moon, Gregorio Duvivier, Ivana Arruda Leite, João Silverio Trevisan, Joca Reiners Terron, Laura Conrado, Lourenço Mutarelli, Luisa Geisler, Luiz Braz, Marçal Aquino, Marcelino Freire, Marcos Perez, Maria Alzira Brum Lemos, Michel Laub, Paloma Vidal, Paula Fabrio, Paulo Scott, Rafael Gallo, Raphael Montes, Ricardo Lisias, Ricardo Ramos Filho, Ronaldo Bressane, Simone Campos, Socorro Acioli, Tailor Diniz, Tammy Luciano, Tatiana Salem Levy, Tiago de Melo Andrade, Xico Sá.


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