Folha de S. Paulo


'Terça Insana' é pop e venenoso sem usar discurso reacionário

No final da despedida de quase quatro horas de "Terça Insana", no sábado (20), Grace Gianoukas provocou uma vez mais, dizendo que os 13 anos mostraram que é possível fazer humor pop no Brasil sem recorrer a homofobia e preconceito. Tinha alvo certo, na geração de comediantes "stand up" que tomou a TV.

É verdade, mas não inteiramente. Marco Luque havia apresentado minutos antes o esquete de Jackson Five, um motoboy que arrancou gargalhadas por falar errado, ter dentes estragados e contar histórias em que é humilhado pela classe média de carro.

Preconceito é o que não falta, embora Luque seja mais contido, no "Terça Insana", do que costuma ser no rádio em São Paulo.

Lenise Pinheiro
Marco Luque no 'Terça Insana' em 20 de dezembro de 2014
Marco Luque no 'Terça Insana' em 20 de dezembro de 2014

Gianoukas está certa porque em quase tudo mais, inclusive na participação de Luque, o "Terça Insana" consegue ser não só "pop", mas crítico, venenoso, politicamente incorreto –sem usar como pretexto para discurso reacionário.

Muitos dos quadros e personagens vão por aí, mas o exemplo maior talvez seja Luís Miranda, o brilhante ator e comediante baiano.

Ele, que chamou a atenção há 15 anos com "Apocalipse 1,11", no Teatro da Vertigem, foi o motor das quatro horas, desde antes de se abrirem as portas, no meio do público, como um flanelinha bêbado, passando pela líder comunitária Edite e, no auge da apresentação, a socialite Sheila, louca de pedra.

Ao longo da despedida, os comediantes avisaram que o "Terça Insana" vai voltar, de outras formas, como "Mulheres Insanas" ou filme, alguma coisa "insana". Até o nome completo pode sobreviver, de um jeito ou de outro. O que acaba é a fórmula que se renovava regularmente.

Na verdade, isso já vinha acontecendo, com os personagens se fixando como "rotinas" dos comediantes, para quaisquer situações.

Os quadros de Miranda, Luque, Agnes Zuliani, da própria Grace Gianoukas, não eram novos. Já haviam sido vistos não só em edições anteriores do "Terça Insana", mas em outros espetáculos, na TV, em DVDs ou espalhados pela internet, com dezenas de milhões de visualizações.

Mais importante é lembrar que o "Terça Insana" é anterior ao nome. Já estava lá nos anos 80, quando a gaúcha Gianoukas se dividia entre atender às mesas e apresentar cenas cômicas, em bares de São Paulo. No Espaço Off e outros, desenvolveu o formato com Marcelo Mansfield, Carlos Fariello, Ângela Dip.

Eles estiveram todos, com dezenas de outros, em algum momento dos 13 anos do "Terça Insana". Fariello reapareceu na despedida de sábado, mas só na plateia. Sentiu-se a ausência de Dip ou de esquetes históricos, como a Irmã Selma de Octávio Mendes, outro fundador.

Faltou sobretudo Mansfield, parceiro de Gianoukas que deixou o espetáculo para ser um dos pioneiros do "stand up" em São Paulo. O gênero cresceu à sombra, em parte, ao menos, do fenômeno "Terça Insana", assim como este se inspirou no besteirol de Miguel Magno, de décadas atrás.

Mas a diferença, a singularidade de "Terça Insana" está mesmo em Gianoukas, a comediante radical, Sarah Silverman brasileira, Dercy Gonçalves do mal.

TERÇA INSANA
AVALIAÇÃO ótimo


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