Folha de S. Paulo


Autobiografia póstuma revela atriz Norma Bengell sem filtros

Norma Bengell atuou em mais de 50 filmes, no Brasil e na Europa, muitos deles clássicos e premiados, mas nenhum tão recheado de intrigas quanto sua própria vida.

A trajetória da atriz, musa do cinema nacional morta em 2013 aos 78 anos, tem todos os elementos de um roteiro eletrizante: amores intensos, cenários deslumbrantes, violência, prisões, doenças graves, momentos de fama e dinheiro seguidos por outros de desemprego e ruína financeira.

Todas essas histórias estão contadas em "Norma Bengell", autobiografia póstuma da atriz publicada agora. Como quase tudo na vida da artista, o livro teve um percurso bastante atribulado e por pouco não foi parar no lixo.

Acervo Pessoal
Foto sem data de Norma Bengell publicada em suas memórias
Foto sem data de Norma Bengell publicada em suas memórias

Há três anos, a produtora cultural Christina Caneca organizava o acervo de Norma quando encontrou uma calhamaço datilografado. Com a saúde deteriorada e problemas de memória, a atriz não fazia ideia do que era aquilo.

Lendo o material, Caneca deu-se conta da relevância. Aos poucos Norma recuperou a memória e revisou o texto.

Ela começou a escrever o livro em 1975 e prosseguiu com certa regularidade até 1996. O restante foi completado nos últimos dois anos de vida.

ALTOS E BAIXOS

A atriz descreveu com franqueza e bom humor, sem autopiedade, seus altos e baixos.

Ela nasceu num domingo de Carnaval, no Rio. Começou a trabalhar aos 17 anos, como manequim. Era a fase em que deixava de almoçar para comprar o jantar.

A sorte grande veio em 1958, logo em sua estreia no cinema, a chanchada "O Homem do Sputnik", de Carlos Manga. Norma arrepiou o público com sua imitação de Brigitte Bardot. Virou uma estrela da noite para o dia.

Em 1962, dois filmes abriram as portas do mundo para ela: "Os Cafajestes", de Ruy Guerra, no qual fez a primeira cena de nu frontal do cinema brasileiro, e "O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte, que venceu o festival de Cannes.

Norma iniciou aí uma carreira internacional que a levou a filmar na Itália, na França, na Espanha e nos EUA. Em todos esses lugares colecionou amantes famosos.

De todos, só guardou mágoas de Alain Delon. Ela relata que, após o fim do relacionamento, foi agredida sexualmente pelo ator francês.

Com naturalidade e sem culpa, conta ainda seus abortos e os casos homossexuais.

Outra passagem relata a atitude da atriz durante a ditadura militar. Ela ajudou financeiramente e abrigou em casa militantes perseguidos.

Em 1968, foi raptada pelos militares e torturada psicologicamente. Várias de suas peças foram censuradas. Sem trabalho nem dinheiro, passou quatro anos na França.

ATIVISTA

"Norma teve uma atuação muito importante também na defesa dos direitos dos artistas. Não era só a mulher do nu frontal e dos problemas jurídicos por causa do Guarani'", diz Christina Caneca.

A produtora refere-se ao longa que Norma dirigiu em 1996, adaptado do livro de José de Alencar. Fracasso de público e crítica, o filme teve a prestação de contas recusada pelo Tribunal de Contas da União. A Justiça do Rio decretou a indisponibilidade dos bens de Norma, que foi indiciada por lavagem de dinheiro e apropriação indébita.

Norma Bengell
Norma Bengell
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O caso, citado brevemente no livro, foi traumático para ela. Amigos, como o produtor Luiz Carlos Barreto, defendem que tudo ocorreu por falta de organização, não má-fé.

Em todo caso, Norma nunca se recuperou totalmente. O fim da vida foi doloroso, presa a uma cadeira de rodas, com lapsos de memória, cheia de dívidas e isolada do mundo. Morreu vítima de um câncer no pulmão, aos 78, em outubro do ano passado.

No filme delirante que foi sua vida, só faltou mesmo o redentor final feliz.

NORMA BENGELL
AUTORA Norma Bengell
EDITORA nVersos
QUANTO R$ 59,90 (366 págs.)


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