Folha de S. Paulo


Crítica: Audaciosa, escritora inflama caráter revolucionário da arte

"Os Lança-Chamas" é um romance audaz sobre as contaminações malucas que, de tempos em tempos, podem ocorrer entre política e arte. E, apesar de boa parte de sua trama se passar nos anos 70, tem muito a ver com os enfrentamentos sociais da atualidade.

Reno é uma garota fissurada por velocidade e "Land Art" (a escola artística criada por Robert Smithson, autor de "Spiral Jetty"). Seu projeto é desenhar rastros geométricos com pneus da moto no deserto de Utah e filmá-los com a câmera roubada da faculdade.

Ela se muda de Nevada para Nova York em 1975, envolvendo-se com artistas que participam da gentrificação do SoHo, entre eles o escultor Sandro Valera, herdeiro da homônima fábrica italiana de motocicletas (ficcional ou "à clef", como quase toda referência histórica mencionada no livro).

Ann Summa/The New York Times
Escritora Rachel Kushner posa em frente ao seu Ford Galaxie 500, de 1964
Escritora Rachel Kushner posa em frente ao seu Ford Galaxie 500, de 1964

Sandro é filho de T. P. Valera, playboy milanês que parte para estudar arte em Roma no início do século 20 e depois se alista voluntariamente nos Arditi. Trata-se do batalhão de choque motorizado italiano que operou na Primeira Guerra, ao qual Gabriele d'Annunzio pertenceu e foi grande inspiração de Mussolini.

A história de Valera pai é contada em flashbacks repletos de alusões à imagética futurista: o elogio às máquinas, ao fogo e à velocidade. "Fac ut ardeat" (deixa arder), diz a epígrafe de "Os Lança-Chamas", igualmente lema da fábrica de motocicletas criada por Valera após sobreviver à guerra.

Enquanto isso, na Nova York dos anos 1970, Reno se envolve com artistas e conhece Burdmoore Model, líder do hilário grupo anarquista "Filhos da Puta" (inspirado nos lendários Motherfuckers).

Os Lança-Chamas
Rachel Kushner
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A sucessão de breves relatos dentro de relatos, que às vezes surgem em diálogos cujas falas podem se estender por páginas é a forma radical –que espelha interesses artísticos dos personagens– escolhida pela autora para estruturar seu épico fragmentário.

Em visita a Roma para pilotar motos a convite da Valera, Reno termina por testemunhar a eclosão da insurreição política da Brigada Vermelha entre operários da fábrica.

Curioso mix de Don DeLillo e J. G. Ballard, o romance de Rachel Kushner mostra quão próximos terrorismo e arte já eram então, e aponta como soariam indiscerníveis trinta anos depois, em 11 de setembro de 2001.

OS LANÇAS-CHAMAS
AUTORA Rachel Kushner
TRADUÇÃO Claudio Carina
QUANTO R$ 39,90 (360 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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