Folha de S. Paulo


Livros reconstroem caminho do musical político no Brasil

O teatro musical político, no Brasil, nasceu eleitoral. A candidatura de Júlio Prestes, por exemplo, rendeu a sátira de "Seu Julinho Vem" no teatro de revista, nos anos 1920. Getúlio Vargas motivou muitas, como "Rumo ao Catete".

"Não era de protesto, como o musical que vai aparecer no Arena, no Oficina, mas tinha crítica política", diz Neyde Veneziano, professora da Unicamp, especializada em musicais. A partir dos anos 1950 é que o gênero vai ganhar a feição que tem até hoje, de conscientização social.

Três novos livros, "Ópera dos Vivos" (Outras Expressões, 296 págs., R$ 25), do diretor Sergio de Carvalho, da Cia. do Latão, "Com Séculos nos Olhos - Teatro Musical e Político no Brasil dos Anos 1960 e 1970" (Perspectiva, 352 págs., R$ 60), de Fernando Marques, da UnB, e "Teatro Hip-Hop" (Perspectiva, 176 págs., R$ 37), da atriz Roberta Estrela D'Alva, do Núcleo Bartolomeu, atualizam e refazem a trajetória.

Os dois últimos são pesquisas acadêmicas. Já o primeiro traz dramaturgia, partituras e análises da peça de mesmo nome, de 2011, em que Carvalho e seu grupo revisitam criticamente os anos 1960, dos musicais do Centro Popular de Cultura (CPC-UNE) e do Arena à Tropicália.

"Com Séculos nos Olhos" também abre pelos "textos-colagens" do CPC, mas avança com o gênero pelos anos 1970, com "dramas e comédias musicais" como "Gota d'Água", de Chico Buarque. Marques aponta elos com o teatro épico do alemão Bertolt Brecht (1898-1956) e depois com a própria Broadway.

Em entrevista, Carvalho concorda quanto à influência de Brecht, mas lembra antecessores locais do teatro político como Martim Gonçalves (1919-73), na Bahia, e sobretudo o crítico e diretor italiano Ruggero Jacobbi (1920-81).

Em episódio histórico, Jacobbi criou o musical "A Ronda dos Malandros" em 1950, foi tirado de cartaz pelo TBC e abandonou a companhia. Carvalho conta que, "por não poder montar Brecht diretamente, por causa do ambiente do TBC, ele fez uma mistura, quase um manifesto".

Jacobbi saiu para influenciar o teatro político posterior, inclusive Arena e CPC.

"O Ruggero está por trás de tudo", diz Carvalho. "Gianfrancesco Guarnieri e Vianinha [Oduvaldo Vianna Filho] procuram Ruggero, que dá pauta, organiza, põe a questão do teatro popular. Depois, a vinda do [ator e crítico] Fernando Peixoto para o Oficina é via Ruggero. O Gerd Bornheim [filósofo brechtiano] foi aluno dele."

D'Alva diz que "Teatro Hip Hop" registra como o Núcleo Bartolomeu também "usa a música como recurso de distanciamento, como era lá, no velho Brecht". Mas ressalta que o vínculo maior "entre o ator épico brechtiano e o ator-MC", objeto de seu estudo, "é a autorrepresentação: ele conta a própria história, não precisa que contem por ele".

O livro traça a origem desse novo musical político não nos cabarés de Munique, mas nas festas do Bronx, bairro de Nova York onde a cultura hip-hop nasce de "uma mistura de preto, branco, judeu, de Jamaica, América Latina".

Destaca "The Message", rap de 1982 de Grandmaster Flash: "Aquela descrição fez com que moleques de todas as periferias do mundo falassem, tem um cara que vive como eu'. Daí periferia é periferia, em qualquer lugar'".


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