Folha de S. Paulo


Livro revê obra multimídia de Tadeu Jungle

"Este livro sou eu, não é sobre mim", diz Tadeu Jungle, 58, sobre "Videofotopoesia", volume que acaba de lançar. "É quase meu retrato 3 x 4."

No caso, uma espécie de RG de quase 400 páginas com tudo que esse artista plástico, poeta, cineasta e apresentador de televisão fez em três décadas de carreira, de quando pichava muros aos tempos em que fez grandes exposições pelo país.

Um poste no meio de um monte de fios, imagem na capa do livro, resume o improviso que marca sua obra, precursora do que seria chamado de estética da gambiarra.

Divulgação
Cena do programa ‘Avesso’, criado por Tadeu Jungle (à esq.) para a TV Cultura e um dos cadernos de anotações do artista, que ele começou em 79
Cena do programa ‘Avesso’, criado por Tadeu Jungle (à esq.) para a TV Cultura e um dos cadernos de anotações do artista

"Não tinha aquilo de esperar alguma coisa acontecer, a situação melhorar", conta Jungle. "Fazia arte com o que tinha na mão. Era pegar dois fios, ligar e dar a partida."

Ou rabiscar, cortar, reciclar, esburacar, como ele gosta de elencar numa torrente de verbos. Sua obra, aliás, nunca se desprende da ação, um sentido de urgência que refuta a ideia de uma peça acabada.

Tudo na obra de Jungle, aliás, parece estar acontecendo diante dos olhos, como num programa de TV ao vivo. E o livro reforça essa sensação, com imagens dos bastidores dos trabalhos.

Em seu "Cinema do Tudo Ao Mesmo Tempo Agora", instalação que ele mostrou no Oi Futuro, no Rio, até o espectador é tragado para dentro da obra –uma sala com projeções nas paredes e uma câmera que mostra ao vivo a imagem do visitante numa das telas, como um estranho figurante no meio do filme.

"Aquilo se tornou um universo audiovisual", diz o artista. "Virou uma nave, eu me sentia numa grande viagem."

Foi também numa viagem que Jungle teve a ideia da obra que considera a mais emblemática de sua carreira. Tentando se achar no mapa de uma estação de trem na Europa, percebeu que o famoso aviso "você está aqui" tinha caído no chão.

"Foi um puta insight. Se eu não sei onde estou, não sei para onde vou", lembra Jungle. "Então criei um adesivo, o Você Está Aqui', tirei 10 mil cópias e colei no mundo inteiro. É sobre estar num presente total em que nada mais importa, nem o passado nem o futuro. Não tem memória."

Essa é uma noção que se estende ao resto de seus trabalhos. Jungle exalta mesmo os momentos mais banais da existência, fotografando e filmando o que seriam visões periféricas, como detalhes no asfalto, a disposição de saleiros numa mesa, um balde de água com sabão em que a espuma lembra os contornos da cabeça do Mickey.

São imagens como as que ele costuma fotografar toda segunda-feira e mandar para os amigos, como um flash da vida como ela é, cheia de uma graça meio fajuta.

Surgida na transição da era analógica para a digital, toda a sua obra pode ser vista como um comentário sobre a fragilidade da imagem em tempos de excesso, em que tudo, como ele diz, "virou tela".

Tanto que ele vem se distanciando cada vez mais das artes visuais para fazer roteiros de filme e televisão. Jungle está preparando um novo programa de auditório para a TV Cultura, o "Fala, Veio", e planeja realizar mais um longa, inspirado no livro "Dias de Gado", de Ana Paula Maia.

"Fala de matadouro, frigorífico, fazenda", diz o artista. "É um ambiente de macho."

E lembra um curta que Jungle fez em 2002, em que uma mulher arrasta uma cabeça de boi pela avenida Paulista. Nesse sentido, é um contraponto à memória frágil escancarada no resto de sua obra.

"Tem uma fisicalidade, uma presença", diz. "Isso para mim é lindo."

VIDEOFOTOPOESIA
AUTOR Tadeu Jungle
EDITORA F10
QUANTO R$ 60, 388 págs.
LANÇAMENTO nesta sexta (12), às 19h, na Livraria da Travessa, r. Visconde de Pirajá, 572, Rio


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