Folha de S. Paulo


Nova mostra permanente do Itaú Cultural narra formação do Brasil

Três anjinhos no alto da tela levam uma faixa com o nome do sonolento vilarejo que se espraia lá embaixo –São Paulo. A cidade não passava então de uma ponte sobre o rio Tamanduateí, em primeiro plano, uma igrejinha e umas poucas casas, entre elas a da marquesa de Santos.

Esse quadro de 1821 do francês Armand Pallière é a pintura mais antiga a retratar a metrópole. Ficou esquecido por mais de um século na sala de jantar de uma casa no Rio até descobrirem se tratar de um "ícone máximo da capital".

Junto dele estão agora outros registros visuais de peso histórico, um caleidoscópio de cinco séculos da formação do país que o Itaú Cultural passa a exibir em caráter permanente em dois andares de seu prédio na avenida Paulista.

Depois de esvaziar duas antigas alas de escritórios, numa reforma de R$ 4 milhões, o centro cultural passou a ter duas galerias dedicadas à coleção brasiliana do banco dono do espaço. É o maior acervo privado da América Latina, com 12 mil obras, sendo que 1.300 delas estão expostas ali.

Em nove salas, uma estranha terra de canibais vai se revelando um paraíso de plantas e bichos fantásticos. Depois vem o país imperial, com vistas deslumbrantes do Rio e a vida da corte escravagista. "É a evolução do Brasil", diz o curador da mostra, Pedro Corrêa do Lago. "A identidade brasileira é reconhecida."

GALERIAS HIGH-TECH

Brancas do chão ao teto, as novas galerias do Itaú Cultural têm um ar de laboratório asséptico e high-tech, contrastando com a alta voltagem das obras de arte e documentos históricos que abrigam.

É estranha a sensação de ver passaportes de escravos e imagens de ritos canibais nessa espécie de nave espacial, mas talvez a intenção da mostra seja mesmo escancarar a história do país num contexto neutro, de tábula rasa.

"É uma volta às nossas origens", diz o curador Pedro Corrêa do Lago, que ajudou a construir a coleção. "Essa arte foi por muito tempo relegada a um gueto documental muito chato, mas é uma arte plena."

Edouard Fraipont/Divulgação
Imagem de pássaro de J. T. Descourtilz, obra do século 19
Imagem de pássaro de J. T. Descourtilz, obra do século 19

Tanto que já invade a produção contemporânea com fôlego inusitado. A mostra "Histórias Mestiças", organizada por Adriano Pedrosa e Lilia Moritz Schwarcz no Instituto Tomie Ohtake em agosto deste ano, contrastou raras imagens históricas com peças de artistas como Adriana Varejão e Beatriz Milhazes.

Índios e escravos em imagens mais ou menos exageradas, carregadas de um exotismo para seduzir olhos europeus, vêm se tornando alvos de releituras críticas –obras que denunciam como muito disso foi parar debaixo do tapete da iconografia nacional.

Muitas das obras expostas agora no centro cultural da avenida Paulista, aliás, foram vítimas de certo descaso.

Uma delas é uma tela de 1829 do francês Jean-Baptiste Debret, que retrata o casamento de dom Pedro 1º. O quadro estava perdido e só foi redescoberto há sete anos, por acaso, num antiquário espanhol.

Corrêa do Lago conta que uma pesquisadora conhecia o esboço da tela, que já estava na coleção do banco, e desconfiou que aquilo poderia ser um Debret, embora a assinatura fosse de um artista espanhol popular na época. Ela comprou a tela e trouxe ao Brasil, onde pesquisadores provaram sua autenticidade.

"Tinham assinado um nome que achavam que valia mais", diz o curador. "Mas aquilo lá saiu na primeira lavagem durante o restauro."

Outras imagens da mostra também guardam um passado controverso, como as vistas clandestinas da baía de Guanabara feitas pelo artista britânico Thomas Sydenham em 1795, época em que os portos do país estavam fechados a navios estrangeiros.

Ou seja, sem atracar na orla, direto do navio, é como se Sydenham tivesse feito uma foto roubada do que na Europa no momento diziam ser um paraíso fantástico.

Na mesma pegada deslumbrada, duas salas inteiras da mostra exibem uma avalanche de imagens da flora e da fauna do Brasil, pássaros de plumagem lisérgica e bichos como tamanduás, considerados quase extraterrestres por esses artistas viajantes.

Isso sem contar as liberdades poéticas de europeus que retrataram o país a partir de relatos dos exploradores, daí a brutalidade de certos rituais comandados por índios de "barriga tanquinho" e adornos inusitados.

COLEÇÃO BRASILIANA ITAÚ
QUANDO abre neste sábado (13), às 14h; de ter. a sex., das 9h às 20h; sáb. e dom., das 11h às 20h
ONDE Itaú Cultural, av. Paulista, 149, tel. (11) 2168-1776
QUANTO grátis


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