Folha de S. Paulo


Caco Ciocler faz perfil superficial da mulher de Guimarães Rosa

Aracy, a quem pertence "Grande Sertão: Veredas", foi muito mais do que a paixão de João Guimarães Rosa, que a ela dedicou seu mais importante livro. Intrépida e independente, trabalhou com ele no consulado brasileiro em Hamburgo. Em pleno nazismo, ajudou dezenas de judeus a deixar a Alemanha e a encontrar refúgio no Brasil.

Sua história chega agora às telas em "Esse Viver Ninguém me Tira", de Caco Ciocler. O ator-diretor faz entrevistas, pesquisa em arquivos e busca tirar da sombra essa personagem ainda pouco conhecida.

Atuando no setor de passaportes do consulado, Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa ignorou proibições e foi responsável pela liberdade de perseguidos e ameaçados pelo terror de Hitler. Tinha apoio do escritor, que temia pela vida da mulher.

Reprodução
Aracy Guimarães Rosa, tema do filme 'Esse Viver Ninguem me Tira'
Aracy Guimarães Rosa, tema do filme 'Esse Viver Ninguem me Tira'

Ela foi morar na Alemanha com seu filho depois de se separar do primeiro marido. O nazismo já tomara conta do país. Filha de classe média e poliglota, conheceu na missão diplomática o cônsul-adjunto Guimarães Rosa.

Meticulosa e detalhista em anotações, diários e na guarda de recortes e documentos, Aracy nada deixou registrado sobre sua atividade subterrânea no consulado –o que é compreensível.

Por questões de direitos autorais, segundo informou o diretor, Guimarães Rosa tem presença periférica no filme –o que é uma pena. Sim, o foco é nela, mas as histórias do casal enriqueceriam a obra.

É o que se vislumbra no final. Aracy narra a emoção dos dois quando Rosa, numa madrugada, descobriu o nome "Sagarana" para seu livro de contos.

O documentário se vale de testemunhos de familiares e amigos, de descendentes de pessoas auxiliadas por ela e de análises de especialistas, que buscam colocar o contexto dramático daquela situação.

A trama é vibrante, mas não consegue penetrar mais fundo no perfil e nas ideias de Aracy.

Opta por coletar essas avaliações –valiosas– sobre "a Diadorim que enfrentou os nazistas", revelando algumas pistas sobre os abundantes guardados da personagem.

LIGAÇÕES SECUNDÁRIAS

Ciocler tenta suprir a carência de informações imaginando tensões, preocupações e alegrias daquela época, fazendo um exercício de resultado discutível. Em outras ocasiões ele próprio entra na tela e ocupa um espaço por vezes excessivo. A jornada adquire um viés pessoal: o cineasta descobre ligações secundárias entre Aracy e amigos e parentes seus.

A vida dela após os feitos na Alemanha fica quase na penumbra. O documentário lembra que ela ajudou o cantor Geraldo Vandré, perseguido pela ditadura militar.

Atingida pela doença de Alzheimer, Aracy morreu em 2011 aos 102 anos. Sua trajetória, que recebeu homenagem de Israel, ainda precisa de um olhar mais aprofundado. A fita de Ciocler é um bom começo.

ESSE VIVER NINGUÉM ME TIRA
DIREÇÃO Caco Ciocler
PRODUÇÃO Brasil, 2014, 12 anos
AVALIAÇÃO regular


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