Folha de S. Paulo


Taiguara ressurge em disco inédito e livro-reportagem

Taiguara (1945-96) era um artista complexo. Ficou conhecido pela faceta de cantor romântico dos festivais no final da década de 60 e depois pelas canções de protesto.

Foi o embate com a censura do regime militar que truncou sua carreira, levando à proibição de dezenas de músicas em sua fase mais produtiva e à apreensão de sua obra-prima, o disco "Imyra, Tayra, Ipy", em 1976.

Esse é o álbum cuja fervura criativa o coloca à altura da Tropicália, do Clube da Esquina, da fase cantada de Egberto Gismonti —e que ficou fora de catálogo, como se nunca tivesse existido (exceto por uma edição japonesa), até o ano passado, quando a gravadora Kuarup o relançou.

Folhapress
O cantor e compositor Taiguara nos anos 1970
O cantor e compositor Taiguara nos anos 1970

Agora a Kuarup segue no resgate da memória do cantor, pianista e compositor, lançando um álbum de inéditas, "Ele Vive", e o livro "Os Outubros de Taiguara", da jornalista Janes Rocha.

É uma tarefa digna, mas que não dá conta da estatura do artista nascido no Uruguai e naturalizado brasileiro. Não que isso seja fácil. Taiguara era todo um pacote contracultural. Seu embate com a censura não foi só pela política, mas também pelo erotismo e as referências às drogas.

O livro acaba sendo mais uma reportagem sobre os aspectos factuais —principalmente a censura e questões de mercado— do que qualquer tentativa de análise de seu processo criativo.

Janes Rocha fala sobre essa modéstia de propósitos: "Não é exatamente uma biografia. Focamos na questão da censura, porque interferiu muito na vida do Taiguara. Ele foi radicalizando o discurso, foi ficando mais cáustico".

Roberto Rosa/Divulgação
Taiguara ao piano, em foto sem data ou local identificados
Taiguara ao piano, em foto sem data ou local identificados

FITAS

O disco também tem essa contenção. As músicas vêm de fitas cassete preservadas pela família, em que Taiguara ensaiava músicas em vários graus de desenvolvimento.

Ricardo Carvalheira, que fez a digitalização das fitas, já recuperou materiais de Luiz Gonzaga, Elis Regina e Renato Russo. "O material não está datado, mas pelas marcas das fitas dá para estabelecer que cobre do final da década de 60 ao começo da de 80", explica ele.

Algumas músicas –talvez as melhores– são da fase de composição para o álbum "Fotografias", de 1974, onde psicodelia e angústia do exílio já se misturam –lembrando o Caetano da fase londrina, mas marxista. É o caso de "Conflito (Sexo Escravo)".

Outras boas faixas são a empolgante "Sou Negro", o samba "Tomou Rebeldia" (nome suposto), e o chamamé "Sou Samora Potiguara" (composta para seu filho).

Quanto às letras, dá para entender um pouco o processo de composição de Taiguara, que encaixava palavras e frases pela sonoridade, com trechos só cantarolados.

Mesmo sem as intervenções de Hermeto Pascoal, Wagner Tiso, Zé Eduardo Nazário, Jaques Morelenbaum, Novelli, Nivaldo Ornelas e o time genial todo de "Imyra, Tayra, Ipy", os arranjos poderiam ser menos genéricos.

No fim, o que emerge de "Ele Vive" é mais o Taiguara um tanto paranoico, derrotado, que vagou pela Europa e pela África meio sem objetivo, e que voltou ao Brasil de cabelos mais curtos e roupas sóbrias, mais militante do que nunca. Ao contrário de Chico e Caetano, que sobreviveram ao embate com a censura, e até o capitalizaram, ele não. O hippie sexy estava perdido.

ELE VIVE
ARTISTA Taiguara
GRAVADORA Kuarup Discos
QUANTO R$ 24,90

OS OUTUBROS DE TAIGUARA
AUTORA Janes Rocha
EDITORA Kuarup Discos
QUANTO R$ 46 (200 págs.)


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