Folha de S. Paulo


Escritor americano faz de sua biografia ode ao insucesso

Gary Shteyngart é um dos principais representantes da nova literatura americana. Gary, porém, não é americano e nem se chama Gary.

Em "Fracassinho" ele narra sua trajetória, fugindo de uma asma que lhe rouba o fôlego, quando seus pais emigram de Leningrado (atual São Petersburgo), trocados por grãos –o presidente Jimmy Carter fez um acordo com o governo de Moscou pelo qual a imigração de judeus russos seria facilitada, desde que os americanos garantissem uma remessa de cereais para a antiga União Soviética.

Assim, a família aterrissa nos subúrbios de Nova York em 1978. Um mundo de ficção científica se abre aos olhos do pequeno Igor, que seria renomeado num esforço de aproximação com o mundo anglófono e de evitar a xenofobia.

"Vir para a América depois de uma infância passada na União Soviética é o equivalente a tropeçar de um penhasco monocromático e pousar em uma piscina de puro technicolor", escreve o autor, que ganhou fama já no livro de estreia, "O Pícaro Russo", seguido de "Uma História de Amor Real e Supertriste" e "Absurdistão".

Em "Fracassinho", ao contrário dos outros três livros, o autor abdica da máscara da ficção. "Foi uma chance de juntar um registro do que era ser uma criança crescendo sob um poder decadente e mudando para outro poder decadente", diz à Folha.

"Como escritor, dei sorte de nascer em tempos terríveis", acrescenta. Não à toa, ele considera Woody Allen e Philip Roth dois grandes professores: "Allen me ensinou o humor, e Roth me ensinou a tristeza. Com eles, minha educação está completa".

Os pais judeus, imigrantes e republicanos, seriam caricaturas se Gary não os redimisse com sua visão multifacetada, em que humor, ternura e melancolia se alternam.

"Fracassinho", a propósito, é o apelido que seus pais lhe aplicam, pela falta de aptidão para profissões como direito ou medicina. "Urso fedido" e "melequento" são outros. "Ter sido chamado de ursinho russo fedido' na infância produziu em mim muita literatura já como adulto."

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Essa figura patética do perdedor, duplamente pesada nas terras ianques, é louvada com ironia e perspicácia por ele. A criança fraca, alienígena e pobre faz sua escalada pelos muros do capitalismo. Sua cultura dostoievskiana não valeria muita coisa na escola judaica onde começaria sua luta por um encaixe na sociedade do fast food.

"A América tem obsessão por vencer. Eu quero fazer o fracasso voltar a ser legal. Esse é meu mote: O fracasso é uma opção'. Você não precisa trabalhar no mercado financeiro", diz o autor.

Homem excluído, revolvendo suas neuroses familiares na Nova York das últimas três décadas e assombrado pelos fantasmas de um passado soviético tão presente em sua casa, o autor vive a guerra fria na própria carne. Sua reinvenção se torna a odisseia de um anti-herói que tem no fracasso o êxito.

FRACASSINHO - MEMÓRIAS
AUTOR Gary Shteyngart
TRADUÇÃO Antonio de Moura Filho
EDITORA Rocco
QUANTO R$ 44,50 (448 págs.)


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