Folha de S. Paulo


Físico lança HQ com respostas científicas para dúvidas absurdas

Faltavam poucas horas para o módulo Philae se desconectar da sonda Rosetta e pousar no cometa Churyumov-Gerasimenko, e Randall Munroe, 30, não disfarçava a animação. "Vou ficar acordado a noite toda, quero ver se vai dar certo", disse à Folha por telefone, tímido, como se fosse um sujeito qualquer diante de um evento banal.

E isso o físico e quadrinista conhecido como Xkcd, autor de "E Se? – Respostas Científicas para Perguntas Absurdas", não é. Seu traço de bonequinhos de palito beira o conceitual, mas os temas têm escopo épico e são medidos pela grande régua da ciência.

Suas tirinhas –publicadas no site xkcd.com a cada dois ou três dias– reúnem comentários e diálogos sobre assuntos correlatos à ciência, como a cultura da internet, nossa relação com a tecnologia e a natureza da ficção científica.

Em uma delas, observou que tuítes sobre terremotos chegavam a regiões ao redor do epicentro antes que as próprias ondas sísmicas, sendo possível ler sobre o tremor antes de senti-lo –pouco depois, o comentário foi comprovado cientificamente.

A tira começou em 2005, quando trabalhava na área de robótica da Nasa. "Desenhei meus primeiros quadrinhos na escola. Quando deveria estar prestando atenção nas aulas, sempre rabiscava algo nos cadernos. Depois de um tempo resolvi escaneá-los, mas não sabia o que fazer com eles e pus no site."

O nome do site foi inventado a partir da convicção, que vinha da infância, de que um nome poderia perder sentido com o tempo: "Então inventei um que não significasse nada e fosse só meu. E que fosse curto, pois achei que seria mais fácil se precisasse digitá-lo bastante no futuro."

Não demorou muito para o quadrinho autodescrito como "um webcomic sobre romance, sarcasmo, matemática e linguagem" fizesse sucesso, atingindo em poucos meses um público mensal de 70 milhões de pessoas, como registrou a revista "Wired" no final de 2007. Munroe começou a explorar as possibilidades do formato na internet.

A seção "E Se?" ("What If") foi um dos primeiros experimentos com interatividade digital. Reunidas pela primeira vez em livro neste ano, as respostas visuais de Munroe vinham de perguntas absurdas enviadas por leitores.

No livro, ele responde a indagações como: "Se minha impressora conseguisse literalmente imprimir dinheiro, o impacto no mundo seria muito grande?"; "Quanto espaço físico a internet ocupa?"; e "De que altura você teria que soltar um bife para ele chegar ao chão cozido?"

Mas a inspiração veio na sala de aula. "Há um programa no MIT em que qualquer pessoa pode dar aulas voluntárias num fim de semana, sobre qualquer assunto, para estudantes de segundo grau."

"Eu nunca tinha dado aulas antes e vi como é difícil manter os alunos interessados no que você quer ensinar. Então pensei numa questão sobre Guerra nas Estrelas' e, de repente, todos começaram a se interessar. Seguiram a lógica, fazendo perguntas assim sobre outros filmes e, depois, sobre coisas da vida real. Eles ficam bem mais interessados quando as perguntas não são abstratas."

Ele adaptou essa lógica para o seu site e começou a receber uma avalanche de perguntas improváveis. "Não consigo ler todas, são muitas", confessa. Algumas delas são bizarras o suficiente para que ele nem cogite respondê-las ("A que velocidade um ser humano teria que correr para ser cortado ao meio, na altura do umbigo, por um arame de cortar queijo?").

Depois da seção "E Se?", Randall passou a experimentar cada vez mais –por exemplo, com geolocalização (certa vez publicou uma brincadeira de 1º de abril que variava segundo a posição geográfica do leitor) e com espaço, culminando na tira "Time", que, neste ano, ganhou o Prêmio Hugo, maior reconhecimento na área de ficção científica (leia abaixo).

Atualmente ele descansa da turnê de lançamento do livro na Europa e cogita conhecer o Brasil. Por fazer muitas coisas ao mesmo tempo, evita detalhar projetos futuros ("sou muito desorganizado"), mas antecipou que quer fazer algo com os "3.2 GB de dados do genoma humano", que baixou no início do ano.

Logo após a entrevista, ele transmitiu o pouso do Philae em seu site. Publicando um quadrinho por minuto, criou uma animação com dados que conectou a partir de informações obtidas no site da Agência Espacial Europeia.

GRANDES QUESTÕES DA VIDA
Perguntas absurdas e respostas mais ainda, por Randall Munroe, autor do livro "E Se?"

E Se?
Randall Munroe
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O QUE ACONTECERIA COM A TERRA SE O SOL SE DESLIGASSE? O autor é otimista: são muitas vantagens. O serviço de satélites melhoraria, já que o Sol abafa seu sinal. A economia seria impulsionada, com todos dividindo o mesmo fuso. Só haveria uma desvantagem: todos iriam congelar e morrer.

QUANDO O FACEBOOK TERÁ MAIS PERFIS DE MORTOS DO QUE DE VIVOS? Imaginando que a rede social não será a dominante para sempre, e levando em consideração a taxa de mortalidade mundial, a data em que o número de mortos superará o de vivos acontecerá por volta de 2065.

QUANTA FORÇA O YODA CONSEGUE GERAR? Para calcular o potencial do personagem de "Guerra nas Estrelas", o autor fez complexos cálculos a partir do peso da nave X-Wing, já erguida por Yoda. Chegou a 19,2 kW, ou quase a potência de um Smart Car elétrico.

E SE?
AUTOR Randall Munroe
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Érico Assis
QUANTO R$ 39,90


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