Folha de S. Paulo


Artista visual mais famoso e rico do mundo, Damien Hirst expõe em SP

Vestindo um blazer com sua famosa caveira coberta de diamantes estampada nas costas, Damien Hirst, 49, parecia estar no céu enquanto socialites, colecionadores e artistas se digladiavam para tirar selfies com ele na abertura de sua exposição em São Paulo.

Ele fazia caretas, pegou um bebê no colo e até mostrou a barriga peluda à horda de fotógrafos que se acotovelavam na galeria White Cube, no sábado passado, para conseguir um bom retrato do artista.

Desde que surgiu na cena artística de Londres há mais de 20 anos, Hirst vem revolucionando o mundo da arte –primeiro com obras desconcertantes, como tubarões e ovelhas mergulhados em tanques de formol, e depois ao se tornar a maior celebridade das artes visuais desde os tempos de Andy Warhol.

Mais famoso e mais rico artista do mundo –com uma fortuna acumulada em cerca de R$ 870 milhões–, Hirst é também uma das figuras mais odiadas e invejadas da arte, tendo se tornado o maior símbolo do momento de transição em que as artes plásticas foram tragadas de vez pela indústria do entretenimento.

Numa espécie de performance que mudou para sempre o mercado da arte, Hirst leiloou de uma só vez todas as obras que tinha em seu ateliê dias depois da quebra do banco Lehman Brothers, faturando R$ 511,6 milhões enquanto as Bolsas despencavam no início da crise econômica que varreu o mundo há seis anos.

Desde então, as coisas mudaram. Seus preços também caíram, e Hirst se viu forçado a conquistar novos mercados.

Enquanto em Londres, onde se diz "amado e odiado em doses iguais", Hirst evita ir às próprias exposições, ele fez questão de dar as caras em São Paulo, onde todos são "genuínos e calorosos".

Talvez tenha a ver com o fato de ter vendido, em plena abertura, seis de suas 17 telas em exibição, cada uma delas avaliada em R$ 3,6 milhões.

Em entrevista à Folha, Hirst faz um diagnóstico da cena artística atual, que considera estar "perdendo o foco", lembra os momentos em que se sentia "imortal", no auge da fama e viciado em drogas, e conta que saiu da fase em que sua obra virou uma commodity que "passava de mão em mão em caixas fechadas" só para gerar lucro.

Marlene Bergamo/Folhapress
Damien Hirst diante de uma de suas telas na White Cube, em SP
Damien Hirst diante de uma de suas telas na White Cube, em SP

Leia a seguir os principais trechos da conversa.

*

Folha - Como é ser o artista visual mais famoso do mundo?

Damien Hirst - Fama é uma coisa difícil. Medir as coisas é complicado. Nunca quis ser famoso. Queria fazer arte boa, e a fama é subproduto disso. É uma coisa estranha.

Na Inglaterra, sou amado e odiado em doses iguais. Aqui todo mundo é caloroso e genuíno. Quando você faz uma exposição em qualquer lugar, as pessoas precisam entender seu trabalho antes de comprar qualquer coisa, mas aqui já estavam comprando antes mesmo da exposição.

E muitas pessoas formam opiniões sobre o meu trabalho sem nunca ter visto uma obra ao vivo, o que é maluco do ponto de vista da crítica.

Sempre perguntam muitas coisas, como se quisessem que eu justificasse minha obra, porque não gostam dela. Mas também sempre querem tirar uma selfie comigo.

Que impacto o culto à celebridade tem sobre a arte atual?

No começo, nada vendia, nem o tubarão. Mas depois as pessoas começaram a comprar e queriam cada vez mais e mais daquilo, e tudo custava cada vez mais dinheiro.

Vi que tudo virou uma commodity, que as pessoas compravam só para revender. Era uma coisa que passava de mão em mão só para gerar mais dinheiro. Passou a ter menos a ver com arte e mais a ver com dinheiro.

Compravam meus trabalhos e nem tiravam da caixa, vendiam para alguém que também não tirava da caixa e revendia. Ninguém via mais os trabalhos. Eram caixas passando de mão e mão.

De repente, vi que minha vida era só fazer coisas e vender, fazer e vender, fazer e vender. Não me reconhecia mais na obra, e o problema era que entendi que eu envelheço, mas as minhas obras nunca envelhecem.

Sua obra agora consegue ser mais autobiográfica?

Toda obra de arte de qualquer artista é um autorretrato. Acredito que a arte é um reflexo da vida, e o mundo fica cada vez mais complicado e multifacetado. A arte reflete isso, porque está cada vez mais prestes a se perder, a perder o foco. E o mundo também está nessa situação.

Mas os trabalhos do auge da fama refletiam aquela época?

Tudo tomou outra dimensão para mim quando fiz aquele leilão em 2008. Foi uma grande mudança na minha vida. Eu me sentia imortal antes daquilo, num sentido meio louco. Eu era jovem, estava saindo com estrelas do rock, os caras do Pulp, do Blur, do Oasis.

Todo mundo parecia estar fazendo muito sucesso, todos os meus amigos da faculdade já estavam vendendo obras para o mundo todo, usando todas as drogas, bebendo o tempo todo. Parecia uma grande festa, uma celebração. No meio disso tudo, parece que você é imortal, que aquilo nunca vai acabar e você vai viver para sempre.

Depois você envelhece, os mercados despencam, você se torna um viciado. Foi aí que me dei conta de que não era imortal. Pensei: "Caralho, eu vou morrer". E quando isso acontece, vem o pânico. Prefiro o momento em que estou agora, em que eu posso olhar para trás. Estou fazendo menos trabalhos para o mercado e mais para mim mesmo.

Os excessos acabaram então?

Só acabaram porque acabou aquele momento de celebração. Faz oito anos que eu não bebo. Lembro que os primeiros anos foram muito difíceis, tive de aprender tudo de novo, como conversar com as pessoas, até como fazer sexo sem estar bêbado.

O Bobby Gillespie, do Primal Scream, contou que foi só depois que parou de beber é que subiu no palco e pôde enxergar o público.

Nessa fase mais lúcida, acredita que também consegue entender o seu público melhor?

Não penso muito nisso. Quero enganar as pessoas, quero que pensem que estou dizendo alguma coisa quando na verdade são elas que dizem com a interpretação que fazem. Sempre que faço um trabalho, penso em uma única pessoa, que é alguém muito parecido comigo.

Mas acredita que sua imagem esteja mudando? Ou pensa que continuará sendo o símbolo dos tempos de excessos?

Isso passa pelo dinheiro. Mas sempre acreditei que a arte é a moeda mais poderosa do mundo, mais do que dinheiro. Desde que entrei para o mundo da arte, vejo com mais nitidez que em todo lugar onde há dinheiro surgem cultos, pessoas que vão abusar de suas posições.

Tudo se torna mais agressivo, violento. Eu me lembro que tudo era mais relaxado, mais fácil, menos sangue nos olhos, mais amigável.

E hoje há mais animosidade, tudo é mediado por contratos, mas adoro a ideia de vender arte. Isso não é de todo ruim. A arte deve sobreviver a isso. É capaz de sobreviver a qualquer cenário.


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