Folha de S. Paulo


A moda não me define, diz Gisele Bündchen

"O que você precisa de mim?" Em menos de 20 minutos, no estúdio montado no hotel Emiliano, em São Paulo, Gisele Bündchen encarnou cinco mulheres diferentes para a foto da capa. Moleca, mulherão, poderosa, ingênua e ela mesma.

Gisele, 34, escolheu a foto em que aparece como ela mesma. Prestes a fazer 20 anos de carreira, marcada a partir de sua saída de Horizontina (RS), em 1996, a top ainda fecha os melhores contratos publicitários da moda.

Está no alto desde que foi eleita para redefinir, no final dos 1990, o conceito de beleza da indústria da moda mundial, à época tomada pela estética de modelos anoréxicas com aparência de drogadas.

"Sempre foi versátil. Não mudou nada", disse após a sessão o fotógrafo Miro, que testemunhou os primeiros passos da top no Brasil.

Nesta entrevista, a modelo fala de sua história e da moda brasileira, que ela acompanha desde a criação do Morumbi Fashion até esta última edição da SPFW, na qual desfilou para a grife Colcci.

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Folha - Qual o momento mais marcante dessas duas décadas de moda brasileira?

Gisele - Pude acompanhar um pouco do crescimento da moda no Brasil, comecei junto com ela. Para mim, um dos momentos foi meu primeiro desfile para a Zoomp [1997]. Fui escolhida para ser a Alice, a do país das maravilhas, personagem principal. Eu era um neném, aquele fato foi especial por eu ter me sentido importante. O gatinho que eu segurava na passarela me arranhava, assustado com a música alta, e eu ali, feliz.

Imagino que houve momentos difíceis também.

Claro. A primeira temporada internacional foi a mais difícil. Ninguém olhava para meu book', eu era o oposto das meninas do heroin chic' [mulheres esquálidas, com olheiras e tatuagens], que na época eram a sensação. O único desfile que peguei das 42 seleções que fiz naquela temporada foi o da chuva, do [inglês, morto em 2010] Alexander McQueen. Ele já era um deus na época. Me mandaram para lá sem prova de roupa. Cheguei no camarim, mandaram eu tirar a roupa e usar só uma saia. Meus peitos de fora, aquela peruca preta escondia meu choro. Estava vulnerável. Quando entrei, era uma chuva forte e eu, chorando, tinha de andar na passarela molhada com uma saia apertada. Nada foi tão aterrorizante quanto aquilo.

Tinha problema de ficar nua?

Até hoje não gosto. A única foto em que fiquei nua de verdade foi para o [fotógrafo] Irving Penn [em 1999]. Nunca achei que tivesse corpão, não tenho tanto peito, quadril. Aprendi a usar o corpo na foto, como a roupa cai melhor, como passar um sentimento.

O [fotógrafo] Steven Meisel talvez tenha sido o meu melhor professor. No trabalho para a Vogue' americana, ele colocava um espelho na minha frente enquanto fazia as fotos. Aprendi a posição certa ali.

E como foi a quebra do padrão de "heroin chic" para o seu?

Acredito muito em energia, coisa de momento. Não foi meu visual, acho. Cheguei no momento de transição e fui a pessoa que eles pegaram para promover. Não acho que tenho curvas –e o título o retorno das curvas' na capa [Vogue America'] dá uma ideia de como era o padrão antes. Era enorme a quantidade de meninas que tinham piercing, tatuagens, olheiras... Daí cheguei para a moda assim: comprida, magra, saudável, cabelo grosso, feliz. As pessoas se perguntavam quem é esse ET.

Sua imagem é a mesma desde os 1990. Já tentaram te mudar?

Já me pediram para alterar o visual. Sempre que isso era requisito eu deixava o trabalho de lado. Nunca fiz mudanças drásticas. Gosto de usar perucas, fazer maquiagens e me transformar para uma foto. Mas, para mim, sempre foi importante me sentir bem depois do trabalho: tirar a maquiagem, desmontar o cabelo, voltar a ser simplesmente eu.

Seu projeto de carreira foi moldado logo no início ou teve de se adaptar ao mercado?

Quando você entra, sabe o que deve fazer, mas não há garantias. Tudo depende do seu trabalho, empenho e do tino para o negócio. Dei um passo de cada vez seguindo o instinto e, conforme tomava decisões, analisava os resultados. Queria ser a melhor, mas jamais imaginei que chegaria aonde cheguei.

Como vê a moda brasileira?

O Brasil tem muitos estilistas competentes, e as criações feitas aqui não deixam a desejar comparadas às dos gringos. Além disso, consegue trazer um pouco da cultura do artesanato, tão rico em nosso país, para as passarelas. Mas quem ainda dita a moda no mundo são os tradicionais berços como a França, a Itália e os EUA. Mas é possível encontrar brechas e oportunidades lá fora.

Nesses 20 anos ainda não surgiu outra Gisele. Por quê?

Não sei. Ainda fico surpresa com as proporções que minha carreira tomou. Cheguei no momento certo, quando a moda precisava de mim para mudar. Foi isso. Sempre fui muito autêntica. Meu trabalho não define quem eu sou como pessoa e, apesar de me divertir fazendo moda, não me sinto escrava dela.


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