Folha de S. Paulo


Rosto indecifrável de Juliette Binoche continua a deslumbrar

O começo de "Mil Vezes Boa Noite" é explosivo. A fotógrafa de guerra Rebecca (Juliette Binoche) acompanha as últimas horas de vida de uma mulher-bomba no Afeganistão, até que esta cumpre seu destino, e a outra quase morre tentando registrar a cena.

Mas o verdadeiro conflito de Rebecca se dá quando ela retorna para casa, na Noruega, e seu marido (Nikolaj Coster-Waldau) lhe dá um ultimato: ou ela abandona a profissão ou se afasta da família —guincluindo as duas filhas que vivem com medo de perder a mãe a qualquer hora.

Rebecca lembra o protagonista do oscarizado "Guerra ao Terror" (2008), o militar que se vicia na adrenalina do combate e não consegue se adequar à rotina doméstica.

Mas há duas diferenças essenciais. A primeira delas, ideológica: ela acredita que suas fotos vão ajudar a chamar a atenção das pessoas para os problemas do mundo ("Eu quero que as pessoas vejam, engasguem com seus cafés e reajam").

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Juliette Binoche como Rebecca, fotógrafa de guerra idealista e viciada em adrenalina, em cena de
Juliette Binoche como Rebecca, fotógrafa de guerra idealista e viciada em adrenalina, em cena de "Mil Vezes Boa Noite"

A segunda, uma diferença de gênero: a inadequação de Rebecca à vida doméstica parece representar um peso maior pelo fato de ela ser mulher e mãe. Como se ela estivesse, supostamente, contrariando as leis da natureza.

A protagonista está presa aos dilemas entre maternidade e vocação, idealismo e senso de sobrevivência.

CLOSE

Ex-fotógrafo de guerra, o diretor norueguês Erik Poppe tem o conhecimento de causa e a sabedoria para levantar perguntas difíceis sem apresentar respostas fáceis.

A cada momento em que a narrativa parece tomar um rumo seguro –seja o do conformismo, seja o da ruptura–, acontece algo que conduz o filme de volta ao terreno mais interessante da ambiguidade.

Para tanto, é essencial a contribuição de Binoche, atriz capaz de condensar emoções contraditórias em uma só expressão, de segurar um close em qualquer filme. Já se vão 30 anos observando esse rosto numa tela enorme –e ainda há tanta coisa a decifrar.

MIL VEZES BOA NOITE
(A Thousand Times Good Night)
DIREÇÃO Erik Poppe
ELENCO Nikolaj Coster-Waldau, Juliette Binoche e Maria Doyle Kennedy
PRODUÇÃO Noruega/Irlanda/ Suécia, 2013, 14 anos
AVALIAÇÃO bom


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