Folha de S. Paulo


Análise: Fúria da turma de Hirst virou triste caricatura

Eles já não são jovens, alguns estão mais para celebridades do que artistas visuais, mas todos eles continuam sendo britânicos, mesmo com os olhos voltados para longe.

Quando o grupo Young British Artists, ou jovens artistas britânicos, surgiu na virada dos anos 1980 para os 1990, o mercado de arte do Reino Unido ainda engatinhava e o que reinava entre os contemporâneos era a escola londrina de pintura, com telas marrons, esmaecidas, meio caídas.

Embalados pela onda de revalorização da cultura britânica, com uma nostalgia pela "swinging London" dos anos 1960, marcada pelos Beatles e a revolução sexual, e o governo trabalhista de Tony Blair, nomes como Damien Hirst, Tracey Emin e Sarah Lucas de repente viraram símbolos de uma nova ordem visual.

Divulgação
Detalhe de obra de Damien Hirst que retrata o Rio
Detalhe de obra de Damien Hirst que retrata o Rio

Hirst, hoje o artista mais rico do mundo, despontou com seu tubarão num tanque de formol, depois fez o mesmo com ovelhas partidas ao meio e expôs até uma cabeça de vaca em putrefação, atingindo o auge da fama com uma caveira cravejada de diamantes.

Emin fez de sua cama suja de sangue e camisinhas usadas uma escultura que para muitos críticos sintetizava o Reino Unido dos anos 1990.

Na mesma veia punk e feminista, Lucas se vestia de menino e criava ambíguas esculturas sexuais, com melões para seios e pepinos e laranjas para pênis e testículos.

Chris Ofili, único negro do grupo, pintou quadros ultracoloridos usando esterco de elefante, uma reflexão ácida e escatológica sobre as relações raciais no Reino Unido.

Tudo isso foi sugado por um mercado de arte incipiente que se transformou na indústria bilionária atual, com impérios como a galeria White Cube e suas filiais mundo afora.

Daquela atitude iconoclasta, pouco sobrou. Ou melhor, estripulias como os tubarões de Hirst e a cama de Emin tiveram a energia canalizada para turbinar preços de artistas –o tubarão foi leiloado há seis anos por R$ 30 milhões e a cama, em julho, por R$ 9,6 milhões– que já saturaram mercados desenvolvidos e agora buscam novos territórios.

Não é à toa que entre as obras que Hirst vai mostrar agora em São Paulo –sua primeira individual no Brasil abre na White Cube no dia 11 de novembro– estão vistas aéreas de cidades como São Paulo e Rio criadas com lâminas.

Em alusão aos "ataques aéreos cirúrgicos" do jargão militar, as 17 obras da mostra retratam cidades distintas, de Leeds, no Reino Unido, onde o artista cresceu, ao Vaticano e às metrópoles brasileiras.

Isso porque Hirst já não cabe em Londres, nem no mercado europeu. De certa forma, o sucesso estrondoso do artista e sua atual decadência –vende muito, mas é hostilizado pela crítica– sinaliza o triste destino dos YBAs.

É fato que Lucas e Ofili, que reciclaram estilos e souberam se reinventar, ainda têm certo respeito. Mas Hirst e Emin, os garotos-propaganda do estilo YBA, não passam de celebridades de tempos idos –na visão de críticos, uma ideia caricata do que se entende por arte contemporânea.

Mas no cenário atual, de arte dominada pelo marketing, talvez o menor dos pecados seja parecer caricato.

DAMIEN HIRST
QUANDO abre na terça (11); de ter. a sex., das 11h às 19h; sáb., das 11h às 17h; até 31/1/2015
ONDE White Cube, r. Agostinho Rodrigues Filho, 550, tel. (11) 4329-4474
QUANTO grátis


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