Folha de S. Paulo


Crítica: Obra lista opções para mudar ensino no país

O livro "As Crianças Mais Inteligentes do Mundo – E como Elas Chegaram lá" (Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha), de Amanda Ripley, é leitura obrigatória para quem se interessa por educação escolar.

Pais, alunos e, principalmente, educadores e gestores públicos brasileiros poderão explorar os sistemas de ensino da Finlândia, Coreia do Sul e Polônia por meio dos relatos que a autora faz da experiência de intercâmbio de três adolescentes norte-americanos, Kim, Eric e Tom, que vão passar um ano estudando naqueles países.

Pelo olhos desses três jovens absolutamente comuns e da narrativa dos percalços vividos no processo de adaptação aos três cenários, pode-se ter uma visão panorâmica do que seja a educação em países muito diferentes entre si e do contexto original de cada um, mas que, entre eles, compartilham o sucesso, ou pelo menos, o progresso na direção de educar bem a maioria de suas crianças e jovens (logro do qual o Brasil ainda não pode se orgulhar).

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A jornalista e escritora Amanda Ripley, autora de 'As Crianças Mais Inteligentes do Mundo
A jornalista e escritora Amanda Ripley, autora de 'As Crianças Mais Inteligentes do Mundo'

A autora os escolheu dentre o subconjunto de países educacionalmente exitosos que têm participado do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, do qual mais de 60 países tomam parte, trienalmente, desde 2000), que ela dividiu em três grupos:

1) o dos utópicos, como a Finlândia, nos quais a sociedade acredita que os alunos podem desenvolver raciocínio de ordem superior ("higher order", como proposto pelo pedagogo Benjamin Bloom), sem muita competição ou interferência dos pais;

2) os das panelas de pressão, como a Coreia do Sul;

3) os em mutação, nos quais, mesmo com índice de pobreza infantil similar ao dos Estados Unidos, há ganhos acentuados no nível de conhecimento dos alunos, exemplificados pela Polônia.

O interesse da autora por educação, apesar de ter tido um início aleatório, com a demanda de um editor no meio dos inúmeros assuntos que investigava como jornalista, vem tendo uma trajetória consistente, que aumenta em abrangência e em profundidade, a ponto de escrever um livro de detalhes prosaicos, mas estruturado no formato de pesquisa de política pública educacional comparada.

Ela inicia sua investigação a partir do contexto americano, que conhece bem, com a seguinte indagação: "Por que alguns estudantes aprendem tanto e outros tão pouco?".

BRASIL X EUA

Um abismo de qualidade e equidade separa nosso país dos Estados Unidos. Mas, apesar de os indicadores estarem em estágio de desenvolvimento bem diferentes, a atração pela mediocridade intelectual e acadêmica da maioria da população e a simpatia com que encaramos a desigualdade social e educacional são parecidas. Daí o interesse em ler a versão brasileira de um relato que não nos envolve diretamente.

Nos dois contextos, é bem mais provável que um pai vá à escola assistir a um jogo de futebol do filho que para pedir à direção que cobre dele leituras mais complexas.

Assim como os americanos, nós carecemos de uma cultura de rigor escolar, na qual se aceita com naturalidade que os alunos precisam sair da sua zona de conforto e se sentir desafiados para valorizar o processo educacional em si.

As Crianças Mais Inteligentes do Mundo
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A resposta à pergunta inicial vai sendo formulada aos poucos na cabeça do leitor com o desenrolar das realidades relatadas, mas há, na conclusão do livro, uma frase pungente que remete diretamente à realidade atual brasileira e que explica por que uns aprendem e outros, não.

A respeito da prática educacional americana de baixar os padrões de exigência escolar para que o maior número possível de alunos conclua o ensino médio, ela comenta ironicamente: "Esses jovens merecem a chance de fracassar mais tarde, não agora... Uma espécie perversa de compaixão".

Para nós, que estamos considerando dar como solução para a já pouquíssimo exigente e muito incompetente educação básica brasileira a flexibilização do currículo do ensino médio para estancar a fuga e desinteresse dos alunos, os exemplos do livro podem mostrar que há outras opções.

ILONA BECSKEHÁZY é consultora em gestão educacional

AS CRIANÇAS MAIS INTELIGENTES DO MUNDO
AUTORA: Amanda Ripley
TRADUÇÃO: Renato Marques
EDITORA: Três Estrelas
QUANTO: R$ 62 (424 págs.)
AVALIAÇÃO: ótimo


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