Folha de S. Paulo


Filme desfaz imagem do herói machão

O diretor sueco Ruben Östlund disse que tinha duas metas para seu novo filme, "Força Maior": "Uma é criar a avalanche mais espetacular da história do cinema, e a outra é aumentar o índice de divórcios".

Com o lançamento do filme de Östlund na Europa e nos Estados Unidos, o público poderá confirmar se pelo menos uma das metas foi atingida.

Ambientado em uma estação de esqui nos Alpes franceses, "Força Maior" explora o que acontece quando um pai apavorado abandona sua família diante da ameaça de uma avalanche.

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Cena do filme 'Força Maior', com direção de Ruben Östlund
Cena do filme 'Força Maior', com direção de Ruben Östlund

Sua negação inicial diante da atitude de covardia se transforma em humilhação e colapso emocional, deixando seus dois filhos consternados e sua mulher ressentida. Östlund registra as reações de todos com um olhar cômico e, ao mesmo tempo, sombrio.

"O super-herói é o personagem mais recorrente no cinema", afirmou Östlund, 40. O filme provocou um debate na Suécia sobre os papéis dos gêneros e, como de praxe, despertou comparações com Ingmar Bergman.

"Trata-se de um híbrido de Michael Haneke com 'Cenas de um Casamento'", foi a definição da "Variety". Isso cai como uma luva para Östlund, que se deleita em investigar pessoas tentando escapar psicologicamente de situações desconfortáveis. No caso de "Força Maior", o terreno que ele garimpa é a vergonha.

"Uma das coisas mais dolorosas para os seres humanos é perder o respeito alheio", disse ele.

Östlund inspirou-se na vida real para "Força Maior". Durante férias na Colômbia, um amigo dele estava fazendo compras com a namorada quando um ladrão armado entrou na loja. O amigo de Östlund largou a moça e se escondeu atrás de um balcão, uma reação que ela continuou trazendo à tona muito tempo após ambos voltarem a seu país de origem. Ele se defendia dizendo que não era um herói de filmes de ação.

"Apregoa-se que não há mais expectativas quanto ao papel de um homem, mas é óbvio que ele não agiu conforme esperado", comentou Östlund.

Östlund depois analisou registros de índices de sobrevivência após naufrágios, que foram incluídos com gráficos no material de divulgação do filme, e descobriu que homens tinham muito mais chance de sobrevivência, ao contrário do ditado de que "a prioridade de salvamento são mulheres e crianças".

Johannes Bah Kuhnke, que interpreta o pai, Tomas, em "Força Maior", disse que o papel era aniquilador devido à quase total intolerância da sociedade com a fraqueza masculina.

"Tive que quebrar muitas normas", afirmou Kuhnke. "Diante da fraqueza masculina, os homens ficam agressivos e as mulheres sentem repulsa".

Quando o filme foi exibido na Sérvia e na Croácia, relatou Kuhnke, as atitudes de Tomas provocaram risadas tensas. "Depois, quando já haviam bebido, alguns homens cochicharam para mim: 'Eu também passei por esse tipo de situação e detestei o que senti. É por isso que dei risada'", relembrou Kuhnke. "Essa reação era quase como um escudo".


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