Folha de S. Paulo


Crítica: Bom livro, 'Parafilias' mostra apetites e mazelas da libido

Prêmio Sesc 2014 na categoria conto, "Parafilias" é o livro de estreia de Alexandre Marques Rodrigues. Um bom livro, vale ressaltar.

Mesmo que se possa perceber no volume a influência de Rubem Fonseca, as 24 narrativas nele reunidas nos mostram um escritor maduro, dono de voz própria e com pleno domínio de sua arte.

Coletâneas de contos costumam ser obras desiguais. "Parafilias", porém, apresenta unidade temática e constância estilística salutares.

Em linguagem econômica, que mescla o registro culto à informalidade oral, o autor percorre facetas do desejo.

À medida que os contos se sucedem, vemos os apetites e as mazelas de uma libido sempre tirânica desdobrarem-se em despretensiosa "Comédia", que logra equilibrar-se entre os esboços mundanos de Balzac e as visões infernais de Dante.

Conforme sinaliza o autor em "Narizes", a proposta não é teorizar sobre o que descreve, mas simplesmente enunciar os fenômenos. Fotógrafo atento, recolhe flashes de luxúria e volúpia –que ora apontam para singelas perversões, ora descambam para a morbidez e a violência.

Sua lente percorre as alternativas ao alcance da sociedade, imersa em sexo e ávida pela gratificação imediata dos sentidos. Isso sem flertar com o erotismo. "Parafilias" não excita nem convida ao prazer. Tampouco condena. Apenas expõe.

A resultante caberá ao leitor processar. Em alguns, a decadência claustrofóbica retratada pelo autor, à qual nem sequer crianças escapam, poderá inspirar um compreensível niilismo. Em outros, certo conformismo e resignação.

Mas dificilmente deixará o leitor tomar-se por sentimentos de repulsa. As almas mortas de "Parafilias" clamam antes por alguma esperança de redenção. Pois nelas vemos sobretudo a nós mesmos.

Ao final do volume, o autor ensaia uma síntese em torno do conceito de "solidão humana". A reflexão é desnecessária e menor do que "Parafilias" permite vislumbrar.

De fato, para além de tantas franquezas e tantos impulsos incontidos, estará sempre, ainda que adormecido, o espírito. E é nele, mais do que em nossos risíveis amores, que reside o propriamente humano.

MARCELO O. DANTAS é escritor e diplomata.

PARAFILIAS
AUTOR Alexandre Marques Rodrigues
EDITORA Record
QUANTO R$ 25 (160 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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