Folha de S. Paulo


Castas sociais que se estranham assistem juntas a 'Na Quebrada'

Estamos no cinema do Shopping Eldorado, dia 6 de outubro. É a pré-estreia de "Na Quebrada", filme de Fernando Grostein de Andrade.

Há menos de 24 horas, o Brasil cravara nas urnas a mesma variedade de expressões contida naquela sala: bonés e alargadores de orelha que se contrapõem a homens com suéteres de cashemere amarrados ao pescoço e bolsas e/ou sorrisos que costumam custar o equivalente a um carro popular.

O filme "Na Quebrada" já mereceu uma reportagem neste caderno e mereceria várias outras páginas para discutir as histórias dos meninos Jefferson, presidiário, Zeca, que tomou um tiro numa chacina, Joana, que cresceu num abrigo, e Monica, que quase recaiu no crime.

Bruno Poletti/Folhapress
Mano Brown na pré-estreia do filme 'Na Quebrada'
Mano Brown na pré-estreia do filme 'Na Quebrada'

Páginas para falar da coragem de seu diretor, que insiste em traçar uma carreira suprapartidária e coerente, em que as discussões de conflitos passam ao largo da política convencional.

Mas o que de mais extraordinário eu encontrei na pré-estreia foi que existe convivência possível entre gente tão diferente. Naji Nahas (acusado de quebrar a Bolsa do Rio e da desapropriação, digamos um tanto ríspida, das cerca de 1.500 famílias que teriam invadido seu terreno no Pinheirinho); a ex-proprietária da marca OX de produtos de beleza, Mariangela Bordon, ótima amiga, flor de pessoa, mas que infelizmente tinha um pai...

Outra que estava na plateia era a filhinha querida do novo senador paulista, Verônica Serra. E o antigo senador, o "Blowing in the Wind" (agora, literalmente), Eduardo Suplicy. O prefeito Fernando Haddad, cujo vento parece estar mudando aos poucos, também compareceu.

Havia também socialites de renome mundial, como uma roliça e sexy apresentadora do programa de TV "Saia Justa"; o economista Andrea Calabi e... e... e é aí que a porca torce o rabo.

O outro lado do muro do apartheid também compareceu. Eu não sei como o Luciano Huck faz essa mágica. Ele não é o melhor amigo do Aécio? Pois é. Mas o camarada tem aquele negócio de transitar, sabe? Podem dizer o que quiser. O cara é ponta firme.

E pra quem não sabe, o Luciano é irmão do diretor do filme, que, só pra deixar BEM claro, vem a ser a antítese do Leonardo Senna.

E, por conseguinte, conseguiu reunir na mesma estreia não só o governador Opus Dei (ups! Saiu super sem querer!), bem como o mano dos mano. Ele mesmo: Mano Brown, o mito, que estava lá sentado a três fileiras de Geraldo Alckmin, inventor do inacreditável conceito de que, diminuindo a maioridade penal, nós iremos resolver um problema que o filme de Grostein deixa claro que não é bem assim.

Outra turma que ocupou boa parte das poltronas foi o pessoal da Cufa (Central Única das Favelas) organização criada por jovens –principalmente negros– que buscam, em primeiro lugar, sobreviver, ou seja, não serem mortos de forma violenta e, se isso for possível, terem sua atuação cultural respeitada.

Imaginava que eles iriam vaiar todos os bacanas: do governador ao Luciano, passando por Nahas e a mim (a socialite roliça). Qual não foi minha surpresa quando percebi que ali se deu o milagre de a gente conseguir ver juntos um filme sobre injustiça e a busca de uma solução e irmos embora sem nenhum mal-estar entre duas castas que se estranham tanto há 514 anos.


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