Folha de S. Paulo


Revelação da Bienal de SP pinta presidenciáveis no prédio da Folha

"Estou tentando fazer que ela pare de sorrir", diz Éder Oliveira, dando uma pincelada na boca da presidente Dilma Rousseff que acaba de pintar.

Ele não quer que nenhum dos presidenciáveis líderes nas pesquisas tenha cara de santinho ou retrato de campanha. Os políticos foram pintados na sede da Folha, em São Paulo, a pedido do jornal, para ilustrar a cobertura eleitoral no dia do primeiro turno.

"Não podiam estar sorridentes", diz o artista. "Quis descontextualizar essa imagem projetada do político."

Ele conta que, por ser daltônico -Oliveira não pode distinguir entre verde e vermelho-, sua paleta de cores é mais reduzida, quase sempre variações sobre um tom.

No caso dos políticos, o artista pintou cada candidato de uma cor -azul para Aécio Neves, do PSDB, laranja para Marina Silva, do PSB, e vermelho, para Dilma Rousseff, do PT- seguindo as cores adotadas para cada um em gráficos publicados no jornal.

Também tentou neutralizar qualquer leitura prévia sobre os candidatos usando imagens não oficiais. Ou seja, usou retratos feitos sem que eles soubessem que estavam sendo fotografados e trocou o figurino da campanha por uma simples camiseta.

Essa, aliás, é a primeira vez que Oliveira, artista de Timboteua, no Pará, e revelação da atual Bienal de São Paulo, pinta rostos mais conhecidos.

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CABOCLO AMAZÔNICO

Em Belém, onde vive, o artista passou os últimos dez anos pintando murais pela cidade. Só quatro deles sobreviveram, mas todos têm em comum o mesmo tipo de personagem, que o artista chama de "caboclo amazônico".

"Sempre retratei pessoas anônimas", diz Oliveira, 30. "Sou quase um retratista por ofício, mas nunca quis pintar alguém. Fui buscar o anônimo na classe popular, na base da pirâmide, o caboclo que tem traços do negro, do índio e do colonizador branco."

Mas não é qualquer retrato. Oliveira diz buscar imagens "impuras", nunca posadas. São flagras que denunciam ao mesmo tempo a raça e a condição social de homens às margens da sociedade.

"Quando comecei a procurar essas imagens, acabei encontrando nas páginas policiais", diz Oliveira. "As pessoas que aparecem ali estão mais livres da vaidade, nem pensam na lembrança que elas têm do espelho."

Nesse ponto, seus murais retomam a técnica panfletária para refletir sobre a natureza da fotografia em tempos de sua banalização total. Longe do status que um retrato posado dava a alguém nos primórdios da fotografia, Oliveira trata a imagem em seu nível mais prosaico, ou rasteiro.

AUTORRETRATO

Enquanto em Belém o artista só pintava o rosto dos retratados, as imagens que fez na Bienal de São Paulo deixam mais claro o contexto de onde surgiram. São homens de pele vermelha com os braços para trás, todos fotografados no momento em que eram algemados pela polícia.

"Essa é uma imagem muito comum, é sempre o mesmo biotipo, a mesma história de vida", diz Oliveira. "Eu me identifico com as pessoas que eu retrato. Também vivo na periferia e temos histórias parecidas. Isso que eu faço é uma espécie de autorretrato."

Oliveira diz que nunca foi preso, mas que tem amigos nessa situação, inocentes ou não, e diz saber que a cidade grande "não tem espaço para todo o mundo", o que, na opinião dele, gera um quadro de pobreza e violência.

Mas isso não fica tão explícito em suas imagens. Embora fale de exclusão e de marginalidade, Oliveira lança mão de estratégias da publicidade ao criar imagens apelativas, que remetem à linguagem dos outdoors e do realismo socialista, movimento ancorado numa iconografia a serviço do Estado.

"Tento dar valor à imagem, melhorar o que ela é", diz Oliveira. "Esse contraponto de pegar algo ruim e deixar mais bonito é o que me interessa."

Nesse sentido, Oliveira parece estar em sintonia com a retomada de reflexões antropológicas sobre a natureza das relações raciais no Brasil, assunto que ressurgiu na academia e aparece cada vez mais na arte contemporânea.

Em seus retratos, a cor da pele, quase sempre morena, domina as composições como um fator de exotismo e ao mesmo tempo uma exaltação às vezes sensualizada da raça, algo latente que, nas palavras do artista, "extravasa" até a superfície da pintura.

Um grau de ambiguidade, ele diz, também transparece nos retratos dos políticos.

"Existe um vício cultural de achar que todo político é ladrão", diz Oliveira. "Mas do mesmo jeito que tento desmontar a cara de mau dos homens que retrato, tentei desfazer a imagem simpática que os políticos tentam passar."


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