Folha de S. Paulo


Próxima Documenta busca inspiração em Lina Bo Bardi

No parque Ibirapuera, sob o sol do meio-dia, o curador polonês Adam Szymczyk fuma um cigarro depois de dar uma palestra. Sua franja loira quase cobre os olhos, servindo de óculos escuros. Szymczyk –que se pronuncia como um espirro– tem a aparência e a fama de "cool".

Diretor do Kunsthalle Basel, na Suíça, ele já era visto como uma espécie de "rock star" entre curadores pela cara de mau e o jeito blasé, mas sua fama só aumentou depois que foi apontado para liderar a próxima Documenta, uma das mais importantes mostras de arte do mundo, que acontece em Kassel, na Alemanha, a cada cinco anos.

No mês passado, Szymczyk participou de um seminário organizado pela revista "Brasileiros", em São Paulo, e rodou a cidade em busca de ideias para a 14ª edição da Documenta, daqui a três anos.

Tulio Vidal/Divulgação
O polonês Adam Szymczyk, que será curador da Documenta, em Kassel, na Alemanha
O polonês Adam Szymczyk, que será curador da Documenta, em Kassel, na Alemanha

Mais um a ser arrebatado pelo revival em torno das ideias da arquiteta Lina Bo Bardi, que faria cem anos em dezembro deste ano, Szymczyk adiantou em entrevista à Folha que a "arquitetura de proposições e manifestos" da ítalo-brasileira será um dos nortes de sua exposição.

"Ela é interessante porque foi uma pensadora, ativista e arquiteta que fez muito para moldar a realidade social a partir da construção de museus", diz Szymczyk. "O que ela fez no Masp é um gesto corajoso de defesa do espaço público. Se há um papel para os museus aqui é que eles sejam espaços de acolhimento."

Szymczyk também foi buscar nas ideias da arquiteta uma percepção dinâmica dos espaços expositivos, exaltando os extintos cavaletes de vidro que ocupavam a maior galeria do museu como estratégia para evitar que a história se cristalize em "monumentos para a contemplação".

"Ela criou com esses suportes imateriais um confronto cara a cara entre cidadão e obra de arte", observa. "Não tinha o caráter linear dos museus. É um campo aberto, e o fato de todos nos lembramos disso significa que esses conceitos não são anacrônicos."

'URGÊNCIA PALPÁVEL'

Noutra ponte com o passado, Szymczyk quer devolver à Documenta a "urgência" que tinha entre 1955, quando começou como uma tentativa de reerguer a cultura europeia na ressaca do pós-Guerra, até a queda do Muro de Berlim, há 25 anos.

Kassel, ele frisa, ficava na fronteira entre as duas metades de uma Alemanha dividida e agora precisa retomar o contato com outras áreas geográficas em que esse sentido de urgência está cada vez mais "palpável e tangível".

Daí seu foco em lugares como a América Latina, o Oriente Médio e o sudeste da Ásia.

"Não é só um recorte geográfico. Tem a ver com olhar para os lugares onde está surgindo uma arte que desafia as regiões hegemônicas", diz o curador. "A Europa é unida até certo ponto, e muito se fala sobre como ela vem se isolando. É preciso refletir sobre a condição europeia a partir de áreas mais problemáticas."

Seu desafio, nesse sentido, será criar uma mostra capaz de traduzir as tensões do presente –qualquer semelhança com a atual Bienal de São Paulo não é coincidência– ao mesmo tempo em que reforça as raízes da Documenta como motor de reflexão em Kassel.

"Não quero as coisas flutuando, perdidas, como numa sopa", compara Szymczyk. "Quero acentuar algumas notas e criar pontos focais bem articulados na mostra."

Traduzindo, Szymczyk avisa que não vai fazer mistério em torno dos nomes que levará à Documenta e que primeiro vai discutir o esquema geral da mostra com os cidadãos de Kassel para depois ir anunciando, a partir do ano que vem, artistas que vão criar obras para a exposição alemã.

"Não deve haver um vazio entre uma mostra e outra", diz o curador. "Sou cético em relação ao suspense em torno disso. Todo valor de choque está superado nesse campo."


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