Folha de S. Paulo


Mexicano Guillermo Arriaga comanda filme sobre religiões

Uma aborígene dá à luz um filho, sozinha no deserto. Um penitente rasteja montanha acima com uma bolsa cheia de pedras. Um monge budista consola um pescador que perdeu a família no tsunami.

"Falando com Deuses", filme que reúne diretores de diferentes nacionalidades e orientações religiosas sob a batuta do mexicano Guillermo Arriaga ("Vidas que se Cruzam"), teve sua estreia na última segunda (29), no Festival do Rio.

A produção, composta de nove curtas sobre religião, faz parte de um projeto maior de Arriaga, que pretende rodar outros três filmes semelhantes: sobre sexo, política e substâncias psicotrópicas.

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Cena do curta-metragem 'Kaboki', que aborda o islamismo, dirigido pelo cineasta iraniano Bahman Ghobadi, integrante do filme 'Falando com Deuses'
Cena do curta-metragem 'Kaboki', que aborda o islamismo, dirigido pelo cineasta iraniano Bahman Ghobadi, integrante do filme 'Falando com Deuses'

"É fundamental tratar de religião mesmo nos dias de hoje", diz o mexicano à Folha. "As pessoas têm essa necessidade de se vincular com um ser divino ou estar numa comunidade."

A próxima exibição é na segunda (6), às 21h40, no Estação Ipanema (r. Visconde de Pirajá, 605, tel. 21 2279-4603).

Arriaga chamou oito diretores que admirava e deu a eles liberdade para tratar como queriam de certa religião que professassem ou com a qual tivessem afinidade.

Amos Gitai tratou de judaísmo, misturando personagens dos tempos bíblicos nos dias de hoje em Israel. O espanhol Álex de la Iglesia usou um assassino pecador para tratar de catolicismo. Onde deve ficar o quarto de adoração dos deuses num apartamento de luxo é a reflexão da indiana Mira Nair sobre o hinduísmo.

No segmento dirigido pelo argentino-brasileiro Hector Babenco ("Carandiru"), sobre a umbanda, Chico Díaz é um maltrapilho que encontra redenção num terreiro. "É um curta com um rigor estético enorme", elogia Arriaga, que crê que "Pixote" (1981), de Babenco, é um "divisor de águas no cinema latino-americano".

O mexicano dirige o último dos segmentos, sobre ateísmo. No seu curta, irrompe uma tempestade de sangue, sem grandes explicações. "Queria algo ambíguo, um fenômeno no qual os crentes enxergassem o espiritual e de que os não crentes duvidassem", diz Arriaga, ateu.

A ordenação dos curtas ficou a cargo do escritor peruano Mario Vargas Llosa. Curiosamente, começa com um nascimento e termina com uma morte. "É dessas casualidades preciosas", diz Arriaga.

Após ser exibido no Festival de Veneza, em agosto, uma crítica da revista "Variety" apontou a ausência da África nesse filme global.

"Mas quantos diretores da África existem?", questiona Arriaga. "Busquei Abderrahmane Sissako [cineasta mauritano], mas não o encontrei. Quem além dele poderia fazer algo sobre religião?"

Falante, Arriaga só é monossilábico quando o assunto esbarra no conterrâneo Alejandro González Iñárritu, diretor de "Babel" (2006), "21 Gramas" (2003) e "Amores Brutos" (2000), roteirizados pelo primeiro.

Os dois romperam em 2006, quando Iñárritu escreveu que o ex-parceiro tinha "obsessão por clamar autoria única" por "Babel", para o qual ambos foram indicados ao Oscar. Quando perguntado se comentaria a rusga, ele só responde: "Não".


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