Folha de S. Paulo


Crítica: Falabella livra d. Quixote da política com ótimo resultado

Volta e meia questionam "O Homem de La Mancha", que estreou em 1965 e ganhou uma popular encenação brasileira em 1973, como musical de uma canção só.

A interpretação de "O Sonho Impossível", de Mitch Leigh e Joe Darion, compositor e letrista do espetáculo, determina se a produção é bem-sucedida.

Se for assim, Cleto Baccic, protagonista e produtor da nova montagem, tem um sucesso nas mãos. É ele quem interpreta um extremamente frágil, mas romanticamente obstinado, d. Quixote, na peça dentro da peça.

Não é uma versão do romance de Cervantes, é bom avisar. É sobre o próprio Cervantes, que é preso pela Inquisição e, ameaçado pelos outros prisioneiros, se defende encenando a história de d. Quixote e Dulcinéia.

Lenise Pinheiro/Folhapress
Cleto Baccic e Jorge Maya são os intérpretes de Dom Quixote e Sancho Pança no Teatro do Sesi
Cleto Baccic e Jorge Maya são os intérpretes de Dom Quixote e Sancho Pança no Teatro do Sesi

Com versos como "Sofrer/ A tortura implacável/ Romper/ A incabível prisão", na versão original de Chico Buarque popularizada por Maria Bethânia, a canção de Cervantes/Quixote se tornou um hino contra a ditadura no Brasil. Nos EUA, foi um hino contra a guerra do Vietnã, popularizada por Frank Sinatra, Elvis Presley etc.

Cantada arrebatadamente por Baccic e pelo elenco de 35 atores, pontuando a apresentação ao menos três vezes, do início ao fim, "O Sonho Impossível" é até mais importante para a nova montagem, mas com novo contorno.

O diretor e adaptador Miguel Falabella, no que foi possível observar, não mudou tanto a versão da letra de Chico Buarque, mas achou uma forma de libertar a canção e todo o musical dos enquadramentos políticos e até geográficos que carregavam.

Ao transformar a prisão num manicômio e o líder dos prisioneiros no artista Arthur Bispo do Rosário, que inspira cenografia, visagismo e sobretudo os figurinos ao mesmo tempo simples e exuberantes de Claudio Tovar, Falabella salientou que a missão ou o sonho de d. Quixote é, no dizer do personagem, "ver a vida como deveria ser" e não como ela é.

Baccic/Cervantes/Quixote convence Dulcinéia, os outros internos e os espectadores de que a realidade é outra, não aquela imposta, de injustiça e miséria existencial. Uma visão que se espalha e enriquece o espetáculo todo.

Jorge Maya, como Sancho Pança, e Guilherme Sant'Anna, o líder dos loucos, são marcantes, tirando muito mais do que era esperado de seus papéis e canções.

Mas a estrela de "O Homem de La Mancha" é Sara Sarres, que faz Dulcinéia. Protagonista de inúmeros musicais e óperas, já era celebrada pela voz e beleza, mas aqui acrescenta a interpretação: é em torno de sua lenta e emocionante conversão, do fatalismo quase suicida para a esperança, que tudo acontece.

O HOMEM DE LA MANCHA
QUANDO de qua. a sex., às 21h; sáb., às 17h e 21h; dom., às 19h
ONDE Teatro do Sesi, av. Paulista, 1.313, tel. (11) 3146-7406
QUANTO grátis
AVALIAÇÃO ótimo


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