Folha de S. Paulo


Remédio para tosse vira moda e inspiração para o hip-hop americano

Remédio para tosse com substância derivada do ópio vira moda e inspiração para hip-hop americano

Eles até falam de marcas de roupas caras e usam acessórios de ouro, mas não é com champanhe nem com uísque e energético que alguns rappers americanos andam brindando em suas festas e clipes.

Uma receita que passa longe de baristas virou a queridinha desses artistas: a mistura de xarope para tosse, refrigerante e balas coloridas.

O drinque feito com o remédio —que tem como princípio ativo a codeína, substância derivada do ópio— tem diferentes apelidos em gírias em inglês, como "purple drank", "lean" e "sizzurp".

A citação de entorpecentes, que não é exclusividade da geração atual nem do rap, chama a atenção agora pelo uso de drogas farmacêuticas e pela ostentação dos artistas em vídeos.

Em muitos deles, o xarope é identificado por um copo de isopor, e citado em situações na qual o cantor normalmente fala de festas e mulheres.

Outros clipes têm filtros ou iluminação roxa, em referência à cor do xarope, e a bebida aparece sendo preparada e até consumida junto com álcool e outras drogas, como cocaína.

O uso recreativo do medicamento teria se iniciado nos anos 1960 em Houston, Texas, no sul dos EUA. No rap, começou a ganhar proporção e servir de inspiração para artistas da região na década de 1990. Nos últimos anos, virou um hit.

"Comecei a beber porque sou do sul, Nova Orleans, via caras que bebiam há anos", conta Lil Wayne em um vídeo na internet.

Ele é um dos mais conhecidos pelo consumo do xarope e teria sido internado por abuso da substância no ano passado –rumor nunca confirmado. No início do ano, o astro teen Justin Bieber foi apontado como um apreciador da bebida.

A associação com drogas fez com que o fabricante da marca mais famosa, o Actavis, retirasse seu produto do mercado em abril.

Além do xarope, outras drogas controladas, como analgésicos e medicamentos com anfetamina, têm ganhado relevância nas rimas.

O levantamento "Drug Slang in Hip-Hop" ("Gírias de Drogas no Hip-Hop"), publicado por uma ONG que combate o uso de entorpecentes, analisou músicas de rappers americanos de 1988 e 2013 e mostrou as substâncias mais citadas.

Maconha e cocaína são as predominantes, mas o xarope de codeína e diferentes tipos de remédios passaram a aparecer mais a partir dos anos 2000. A pesquisa ainda tem dados sobre álcool e MDMA, um derivado do ecstasy.

Para Rodrigo Brandão, 41, MC do grupo Zulumbi, a música sempre reflete uma realidade. "Nos anos 90, o Cypress Hill falava de beck' [maconha]. Depois veio o estilo cocaine rap', em que nego disputava para ver quem fazia o melhor trocadilho para falar da droga", diz ele, que é fã de rap há duas décadas.

A percepção é verdadeira. Estudo da Universidade McGill, no Canadá, relata que analgésicos controlados já causam mais mortes do que cocaína e heroína juntas nos EUA.

Para alguns, pode ser que a moda do xarope passe. A$AP Rocky, um dos que mais ostentaram a bebida nos últimos anos, disse que agora prefere tomar drogas mais psicodélicas, como o LSD. Outros estão iniciando no vício. Um rapper sueco de 17 anos adotou o nome artístico Yung Lean, ("lean" é um dos apelidos do xarope), e apresentou rimas sobre o tema em shows nos EUA em julho.

RAP NACIONAL

Por aqui, a apologia às drogas sempre foi mais focada no uso de maconha e hoje é assunto de grupos jovens como o carioca Cone Crew Diretoria.

A farmácia não é moda entre os artistas nem tendência no estilo. "O pessoal não ganha dinheiro como os americanos e se inspira mais nas mazelas da população", diz Rodrigo Brandão.

"Quando comecei [a cantar], era para falar da violência, não dos efeitos da maconha", exemplifica Marcelo D2, 45, defensor da legalização da droga como vocalista do grupo Planet Hemp nos anos 1990. "Acho normal falar sobre drogas porque, às vezes, parece que é um problema que não existe."

A INVASÃO DO REMÉDIO PARA TOSSE

Letra
" Drinque roxo [purple drank], ainda tomo/ Ainda fumando maconha/Manos de verdade, estilo roxo [purple swag], muito louco", A$AP Rocky, "Purple Swag" (estilo roxo)

Letra
"Vivendo rápido, sim/ Nós ainda tomamos/Copos de codeína pintam um quadro tão vívido", Juicy J "Codeine Cups" (copos de codeína)

Depoimento
"Eu era jovem e ouvia o [rapper] Pimp C, ele falava do xarope e eu quis beber. Respeito a minha escolha porque é uma cultura. Eu pergunto porque vocês bebem o xarope?"Rapper Lil Wayne em vídeo na internet no qual fala do seu vício e faz pergunta em tom de crítica


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