Folha de S. Paulo


Woody Allen lança filme solar, mas reclama de sua vida 'assustadora'

Woody Allen, 78, está em Paris para promover seu filme mais recente, "Magia ao Luar". Mas parece não haver truque possível para fazer sumir sua melancolia.

"Por ser ateu e não acreditar em outras encarnações ou numa razão para estarmos aqui, tive uma vida muito triste, sem esperança, assustadora", disse ele na quinta (28) de manhã, em entrevista a um grupo de jornalistas. A Folha foi o único veículo brasileiro.

"Você nasce sem motivo claro, sente um comichão sexual inexplicável para ter filhos, os tem, e então eles têm seus filhos, e você tampouco entende a razão. Mais um pouco, e o mundo desaparece, e depois o universo."

Ok, vamos dar um desconto ao niilismo nietzschiano do cineasta. O ano de 2014 não tem sido exatamente dos mais gentis com ele.

Damon Winter/The New York Times
O diretor Woody Allen em set de filmagem, em julho
O diretor Woody Allen em set de filmagem, em julho

Em janeiro, sua ex-mulher Mia Farrow e o filho que tiveram, Ronan, bombardearam o Twitter com torpedos sarcásticos enquanto a TV exibia um tributo do Globo de Ouro a Allen –que, como de costume, não compareceu à premiação.

"Perdi a homenagem. Inseriram a parte em que uma mulher confirma publicamente ter sido molestada por ele aos sete anos antes ou depois de Annie Hall'?", disparou Ronan, em referência à acusação de que o diretor teria abusado de Dylan (uma das filhas que adotou com Farrow).

O caso voltou à tona em outubro passado, após entrevista da suposta vítima à revista "Vanity Fair".

Além do quiproquó familiar, Allen amargou o fracasso da adaptação de seu "Tiros na Broadway" (1994) para o endereço do título –ele assina o texto do musical que saiu de cartaz tendo gerado prejuízo de US$ 15 milhões (cerca de R$ 33,8 mi).

Para completar, a crítica norte-americana recebeu com frieza "Magia ao Luar", que estreou nesta quinta (28) no Brasil, no qual o diretor conta a história de um ilusionista (Colin Firth) obcecado em desmascarar uma médium (Emma Stone) que ele acredita ser uma impostora.

SEM RETROVISOR

"Nunca li resenhas dos meus filmes, entrevistas que dei ou notícias que me envolvessem", desconversa, ajeitando o figurino algo janota. "Se estou assistindo à televisão e caio em um dos meus filmes, mudo de canal na hora. Não gosto de olhar para trás, viver no passado. Se você simplesmente trabalha, faz muitos filmes. E eu fiz."

E para que rodá-los às dezenas, se para ele não ajudarão a dar sentido à vida?

"Porque, quando você se distrai, passa a ter um foco e não fica pensando em problemas terríveis. Pensar se conseguirei ter Emma Stone no meu filme é trivial, mas ocupa a cabeça. Se você acordar um dia às 3h e não houver filme, trânsito, barulho, nada, vai refletir sobre a condição humana e sentirá medo."

Os passatempos mentais das madrugadas de Allen ainda não incluem uma história ambientada no Rio de Janeiro, para tristeza das autoridades cariocas, que há cinco anos tentam levar as neuroses do nova-iorquino para o calçadão de Copa.

"Meus produtores estiveram lá e em São Paulo. Acharam um deleite. Mas, para ir a outro país rodar um filme, preciso ter uma ideia que seja condizente com o lugar. Não deve ser uma história que poderia se passar em outro cenário. E ainda não tive essa ideia", afirma.

CINEMA SOFRÍVEL

Sem inspiração também anda o cinema americano, na avaliação do diretor. "Quando era jovem, em Nova York, a cada semana havia uma novidade de Buñuel, Fellini, coisas de todo lugar", diz.

"Hoje, os filmes americanos são sofríveis, com exceção dos de Scorsese, David O. Russell, Paul Thomas Anderson, Oliver Stone. Mas esses são minoria. A maior parte é porcaria baseada em quadrinhos e efeitos especiais."

A saída seria então a TV, mídia que a crítica americana diz atravessar uma era de ouro, graças à experimentações de linguagem e a roteiros mais afiados do que o próprio cinema?

"Tenho sido muito pressionado para criar uma série. Toparia se soubesse um pouco mais sobre o meio", afirma o cineasta.

"Nunca vejo seriados. Sempre me dizem quão incríveis eles são, e acredito. Mas simplesmente não sei o que está acontecendo nesse mundo."

Eis uma boa frase para terminar essa história.


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