Folha de S. Paulo


Paulistano famoso por caçar animais na África narra memórias em livro

Jorge Alves de Lima Filho, 88 anos, se incomoda quando alguém lhe pergunta quantos animais selvagens já matou. Possivelmente o maior caçador brasileiro na África, onde viveu por 21 anos (de 1948 a 1969), ele argumenta:

"Esse cálculo não beneficia nada nem ninguém. Quando cheguei à África, havia milhões de leões, hoje não passam de 50 mil. As coisas têm de ser colocadas no contexto de sua época. Napoleão perdia 50 mil homens numa única batalha. Hoje, os Estados Unidos não perdem isso numa guerra inteira."

Nesta segunda (25) à noite, em São Paulo, Lima Filho -ou Jorginho, como é conhecido em família e na aristocracia paulistana- acerta contas com seu passado, ao lançar o livro de memórias "O Chamado da África".

No continente idílico ali descrito, elefantes, leões e rinocerontes eram abatidos aos montes, caçadores dormiam em choças e caminhavam longas distâncias a pé no rastro de animais.

"Não existe mais caça na África, o que existe é caça enlatada. Criam animais em cativeiro, dão vitaminas e soltam. Uma garota de 15 anos mata um leão", compara.

Jorginho já foi visto como herói. Em 1957, sua história foi contada no filme "Kirongozi - Mestre Caçador", de Geraldo Junqueira, que naquele ano ganhou o troféu Saci de melhor documentário, premiação de prestígio à época.

O que era aventura, esporte ou heroísmo, no mundo de hoje -em que proteger a natureza garante troféus morais- virou ato abjeto.

Para os mais radicais, o matador de animais é quase um pária. Lima Filho sente isso na pele. No ano passado, um perfil sobre ele publicado no portal de notícias UOL despertou comentários raivosos.

Um leitor o chamava de assassino, outro defendia que ele fosse preso, um terceiro fazia votos de que morresse de câncer. Parentes do velho caçador receiam que ele apareça na mídia por desconfiança sobre a recepção adversa de extremistas desse tipo.

Jorginho dá de ombros. Alega que em seu tempo as caçadas ajudavam a controlar a fauna e a alimentar tribos com fome. E afirma: "Sou um ambientalista ferrenho e um amante dos animais. Pode parecer um paradoxo, mas também não é um paradoxo que muitos que me criticam comam carne de animais abatidos aos milhões?", questiona, em seu apartamento em São Paulo, decorados com troféus de caça -presas, chifres e até uma pata de elefante.

MIADO, RUGIDO
Ali, o único felino vivo é a gata Chui. A 425 km da capital, no município de Álvaro de Carvalho (SP), Lima Filho mantém cinco tigres e três leões, importados dos EUA, na fazenda Kirongozi -que possui autorização do Ibama.

É na fazenda que o ex-caçador ameniza a saudade da vida selvagem. Mandou erguer, perto dos seus leões e tigres, um jazigo que imita sua tenda de caçador na África, para ali ser enterrado.

Típico quatrocentão paulista -descende dos Bueno do Amaral e dos Silva Prado-, nascido na capital, Jorginho fez faculdade de ciência política nos EUA antes de se lançar à aventura africana.

A princípio foi como diletante, mas logo passou a comerciar marfim e peles na então África Equatorial Francesa, centro-oeste do continente. Ficou de vez. Depois desbravou Angola e Moçambique.

Nesses países e na região da atual Tanzânia, montou três empresas de safári. Uma delas teve como cliente o então rei espanhol Juan Carlos -cujo gosto pela caça foi recentemente alvo de críticas.

Embora Lima Filho desconverse sobre o número de animais que matou, é fácil, a partir das suas memórias e de reportagens da época, inferir que foram algumas centenas.

Letícia Moreira/Folhapress
Jorge Alves de Lima em seu apartamento, no Jardim Europa
Jorge Alves de Lima em seu apartamento, no Jardim Europa

Sua fama de grande caçador se espalhou por parte da África. A última das quatro ex-mulheres de Jorginho conta que, numa viagem a Londres, o funcionário africano de um hotel reconheceu o brasileiro como o homem cujos feitos aventurosos admirava, de longe, na infância.

A temporada africana se encerrou de forma trágica em 1969, quando guerrilheiros da União Nacional para a Independência Total de Angola atacaram a base de sua empresa no país, matando funcionários e destruindo os diários de Lima Filho, que não estava.

O que ele levou ao livro é de memória. Ao retornar ao Brasil, virou agropecuarista.

Em que pese o vocabulário antiquado, repleto de termos como "entrementes" e "incontinente" (como advérbio), "O Chamado da África" tem aventura digna da melhor ficção, com detalhes saborosos de perseguições e caçadas, e valor antropológico, pelas imagens e informações de tribos remotas africanas da metade do século passado.

É o primeiro livro em português de Lima Filho. Compila trechos e fotos de outros três sobre o mesmo tema que o autor já lançou nos EUA. Traz ainda mapas da África, mas de uma outra África, que ele não cansa de evocar.

E na África de hoje, como seria? "Hoje não mataria um leão nem um elefante. Mas não me arrependo de nada."

O CHAMADO DA ÁFRICA
AUTOR Jorge Alves de Lima Filho
EDITORA edição independente
QUANTO R$ 99,90 (232 págs., só pelo site www.kirongozi.com)
LANÇAMENTO nesta segunda (25), a partir das 19h, no Museu da Casa Brasileira, av. Brigadeiro Faria Lima, 2.705, tel. (11) 3032-3727


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