Folha de S. Paulo


Crítica: Crônicas antigas de Mário Filho explicam crises de hoje

Na fartura de publicações de livros de futebol, o maior legado da Copa é a reunião de textos do jornalista e escritor pernambucano Mário Filho (1908-1966).

Muita gente ainda teima em apresentá-lo só como o irmão do gênio Nelson Rodrigues. Hora de virar esse jogo. No jornalismo esportivo, Nelson foi quem amarrou humildemente as chuteiras do irmão e o reverenciava como o maior de todos, um homem do tamanho do Maracanã, estádio que tem o seu nome.

Sorte do leitor que agora herda "As Coisas Incríveis do Futebol - As Melhores Crônicas de Mário Filho", uma garimpagem do pesquisador Francisco Michielin no arquivo da revista "O Globo Sportivo", que circulou de 1938 a 52, dirigida pelo próprio Mário e por Roberto Marinho.

"Ele é o maior de todos. Nenhum de nós, jornalistas esportivos, somos capazes de engraxar os seus sapatos", diz José Trajano, outro bamba do ramo, na apresentação do livro. É preciso atentar para observação de Alberto Helena Jr., na qual revela como Mário Filho antecipou em décadas a escola do "new journalism" norte-americano de Gay Talese, Norman Mailer e Tom Wolfe.

O mesmo Mário autor da obra considerada fundamental para entender aspectos sociológicos da mestiçagem: "O Negro no Futebol Brasileiro", de 1947, com prefácio de Gilberto Freyre e filiado ao estilo de "Casa-Grande & Senzala".

Neste as "As Coisas Incríveis...", o leitor atento a esta Copa no Brasil encontrará explicações, ainda na crônica esportiva dos anos 1940, sobre crises de hoje. Não há como não ver o drama de autoridade do zagueiro Thiago Silva no texto "Apogeu e Declínio do Capitão do Time".

Para os casos de ética em campo, e não foram poucos no Mundial da Fifa, vale a receita de "A Evolução do Escrúpulo no Futebol".

Os arroubos, maluquices e invasões de torcedores têm na crônica "Sururu" o espelho no passado, quando a "elite branca" da cartolagem ou a plebe rude invadiam os gramados em arruaças épicas de causar inveja aos "barrabravas" argentinos.

No texto de Mário vemos de onde o irmão Nelson fisgou a hipérbole que marca a literatura da família e é responsável por multiplicar como Gremlins o número de jovens cronistas esportivos de hoje.
O legado da Copa ainda deixa mais um gol do Mário: "Histórias do Flamengo", publicado em 1945 e cuja derradeira edição é de 1966.

Se você torce para o time carioca, a leitura se dará com o peito estufado pelo orgulho do vermelho e o negro -forma de entender as origens e a continuidade da paixão desmedida. Caso você seja adversário do urubu da Gávea, vale a leitura do mesmo jeito. Como entender o fenômeno Fla-Flu sem o texto do homem que deu esse apelido ao clássico?

A loucura de ser flamenguista é encarnada no relato do autor por personagens como o escritor José Lins do Rêgo e Ary Barroso. Seja célebre ou anônimo, vale uma máxima de Mário Filho: "Escolhe-se um clube como se escolhe uma mulher. Para toda a vida ou até que Deus separe. É mais difícil deixar de amar a um clube do que a uma mulher."

AS COISAS INCRÍVEIS DO FUTEBOL
AUTOR Mário Filho
ORGANIZADOR Francisco Michielin
EDITORA Ex Machina
QUANTO R$ 42 (200 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

HISTÓRIAS DO FLAMENGO
EDITORA Maud X
QUANTO R$ 59,90 (336 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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