Folha de S. Paulo


Crítica: Esculturas reluzentes de Jeff Koons sabotam a psique americana

Jeff Koons parasita o tecido urbano de Nova York, de sua mostra em cartaz até outubro no museu Whitney à enorme escultura de flores no Rockefeller Center e ao anúncio de sua linha de bolsas para a H&M que cobre a fachada da loja na Quinta avenida.

Da mesma forma que o nome do artista famoso por suas esculturas imensas de cachorrinhos, flores e corações metálicos domina como uma marca a paisagem da metrópole, sua obra parece sabotar a psique dos Estados Unidos.

Quem encara a fila que dá voltas no quarteirão do Whitney para ver os 150 trabalhos na maior mostra do artista até agora acaba entendendo por que Koons, apesar do marketing desmedido, merece ser levado mais a sério num contexto artístico inebriado por fama e dinheiro.

Koons não faz um revival tardio da arte pop. Sua obra, que começou com o deslocamento de flores de plástico infláveis e aspiradores de pó para as galerias de arte, tem raiz mais profunda no "ready made" de Duchamp, que há mais de cem anos levou um urinol assinado ao museu.

E se desprende da exaltação -crítica ou não- dos símbolos de virtudes e vícios da América, como fazia Andy Warhol com latas de sopa e o rosto de Marilyn Monroe, ao elevar o mais banal de seus subprodutos à condição de obras de arte reluzentes.

Enquanto Warhol endeusava e vendia Marilyn, ou mesmo uma Jackie Kennedy em luto, Koons rouba a imagem de um ídolo pop como Michael Jackson, mas o retrata como um bibelô gigante, ele e seu chimpanzé de estimação em porcelana branca.

Não é o rosto da celebridade que incomoda porque vira uma espécie de "commodity" visual. A questão de Koons é o que faz uma sociedade se ater aos estilhaços de uma imagem.

Ele não faz o retrato fiel de Jackson, mas um retrato fidelíssimo de sua reprodução mais tosca, um suvenir da fama que revela o lado mais torpe da sociedade de consumo.

E Koons também se enquadra nela. Ironiza anúncios publicitários ao mesmo tempo que exalta suas propriedades estéticas e desenvolve métodos para transformar brinquedos de criança e infláveis de piscina em verdadeiros monumentos de aço em chave hiper-realista.

Mas quem olha o próprio reflexo em seus cachorrinhos vê tudo distorcido. É a natureza do espelho que Koons volta para o próprio país.

No terreno da imagem, só a imagem é verdadeira. Isso porque ela é maior, mais resistente, mais brilhante e mais cara do que a coisa real.

Seguindo o mesmo princípio, os quadros em que se retratou transando com sua ex, a estrela pornô italiana Cicciolina, tentam ser uma ode ao amor por seu lado mais
fálico, viril e utilitário.

Nesse teatro bem articulado, tudo é exagero e brilho fajuto -o ópio de quem sonha com o luxo.

JEFF KOONS
AVALIAÇÃO ótimo


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