Folha de S. Paulo


Em Paraty, crítico lamenta 'espetacularização' do passado

A natureza não seria habitável sem a intervenção humana. Cidades são, então, o projeto dos desejos e das necessidades das pessoas, que modificam a natureza e a tornam bela.

Veneza e Paraty, construídas em terrenos difíceis, alagáveis são excelentes exemplos disso, disseram quinta (31), em palestra na Flip, o arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, e o crítico de arquitetura italiano Francesco Dal Co.

"As duas cidades foram construídas em terrenos inadequados por necessidades comerciais, pois naquelas regiões havia baías com águas tranquilas para fundear navios. Como atingir o coração da Europa para expandir o comércio? Em Veneza. Como trazer escravos e levar ouro do Brasil? Por Paraty", disse Paulo Mendes da Rocha.

"Petrarca dizia que Veneza é o impossível nascido da impossibilidade", disse Dal Co.

"O terrível é constatar que os turistas não percebem que o que veem é feito de conflitos de interesses, de poderes, de religiões. A grande maravilha das cidades é manter unido algo em confronto", disse Dal Co, crítico da "turistificação" de monumentos históricos.

Para o crítico italiano, ex-curador da Bienal de Arquitetura de Veneza, este processo faz com que o passado se torne um espetáculo e deixe de ser visto sob a ótica de sua importância histórica.

Dal Co provocou risos quando criticou a pirâmide de vidro construída para servir de entrada ao Museu do Louvre, "obra de um megalômano, ignorante", disse, referindo-se ao arquiteto I. M. Pei.

Ao responder a uma pergunta da plateia sobre a favelização das cidades brasileiras, Paulo Mendes da Rocha afirmou, em tom crítico, que elas foram "um pacto consentido". "Veja Copacabana. Como prover com babás, empregados, motoristas, os moradores daqueles prédios novos? Sem a 'senzala' próxima isso não seria possível."

O arquiteto brasileiro terminou a noite com uma história que divertiu a plateia. Contou que foi levado por um ex-aluno a uma favela carioca para que visse o projeto de uma moradora para sua casa.

Ela tinha encontrado em um lixão a porta vermelha de uma geladeira. Apaixonou-se e decidiu que aquilo seria a porta de sua casa. Com a ajuda de vizinhos, conseguiu. Ela criou seu projeto e, com o lixo da cidade, sua casa ganhou uma porta vermelha como uma Maserati."


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